RECOMEÇO
|
||
Gildo
Staquicini Jr
|
||
Havia
dito que não faria mais e se policiara para conseguir e conseguira
durante anos se policiar para não mais fazer. E
se não foram anos maravilhosos, foram anos bons. Ou, pelo menos,
tão bons quanto podem ser os anos dedicados a não fazer
coisas, dedicados a coisas que não devem ser feitas. Por isso
que foram anos, muitos, colocando coisas no lugar de coisas. E a cada
nova coisa colocada, a coisa ficava cada vez mais distante. Tão
longínqua que muito pouco lembrada, quando raramente era lembrada.
E quando isso acontecia, como ela estava há tanto tempo tão
distante, era fácil vê-la embaçada, enevoada, envolta
em brumas. Assim,
a relação com a coisa estava terminada, por assim dizer.
Ela já não tinha a força antiga, porque sua força,
à força das coisas colocadas no lugar das coisas, estava
transferida para essas coisas. E foram essas coisas, essas novos prazeres
e hábitos, que sustentaram todos aqueles anos. E
era nessa forma bem contida e organizada das coisas que os dias passavam
e as coisas seguiam seu curso. E
foi seguindo um curso, embora bem traçado, que estacionou o carro
embaixo de uma grande árvore em um dia primaveril. Talvez porque
estivesse cansado, talvez porque tenha gostado da visão que a
alameda longa e plana oferecia. Talvez pelas duas coisas. Ouvia música
quando uma mulher parou do lado janela do carro e pediu um trocado para
inteirar a passagem do ônibus. Ele a notara vindo em sua direção
mas, como não era seu tipo, a memória não se esforçou
para registrá-la. Pegou
a carteira e achou uma moeda de um real e ia dá-la quando percebeu
a saia curta e as pernas cor de caramelo (não era bronzeado,
era natural) e a maquiada discreta. O sotaque era de imigrante. Não
era bonita, não ao menos para os seus padrões. Era baixota
e meio gordinha. Puxou
da carteira uma nota de cinco e a frase saiu. -
Aqui tem um real entregou-lhe a moeda. Pretendia dá-la
de qualquer jeito, pois supôs ouvir na voz da pedinte (mas que
ninguém diria que era uma pedinte porque estava bem
vestida, nada suntuoso, mas as roupas estavam limpas, e tinham aquela
cara de seminovas ou novas de preço barato)a sinceridade necessária
a quem pede. Pensou que talvez estivesse por ali procurando emprego
(era segunda-feira) e talvez usasse o dinheiro para comer um pão
com manteiga na padaria, guardando assim o pouco dinheiro que tivesse
para a passagem do ônibus. Ou uma trabalhadora longe do dia do
pagamento, talvez também. Mas, qual fosse a hipótese,
a doação daquela moeda seria sincera. Nenhuma novidade
nisso: sempre dava dinheiro aos pedintes. -
Olha, a moeda é sua. Mesmo. Não se preocupe, tá?
Disse enquanto pegava uma outra nota. Aqui tem cinco.
Olhava
para a mulher, querendo antecipar sua reação, mas não
conseguia. -
Ela é sua também... se você me deixar passar a mão
na sua buceta. A frase saiu rápida, mal pensada. Mas verdadeira.
Não foi coisa
no lugar de coisa. Foi coisa direta. Foi a própria coisa. A
mulher assustou-se, é claro. Mas não saiu correndo, não
xingou, não fez escândalo, não gritou pela polícia,
não acordou toda a vizinhança da calma alameda.
Só vou passar a mão. Não vou enfiar o dedo. Eu
juro Disse essas palavras com sinceridade. Só vou
passar a mão na sua xotinha. Ela
olhou para os lados. Olhou para ele como se perguntasse como fazer isso.
Apenas como , pois o porque ela já sabia. Os motivos
de uma mulher (das mulheres, em geral) só ela sabe (só
elas sabem). -
Encosta aqui no carro. De frente prá mim Ele disse. Quando
ela chegou perto colocou a mão direita por baixo da saia, chegou
até a calcinha, puxou a para baixo e deslizou a mão para
onde queria que ela fosse. Para encontrar maciez e calor. Nada
como os prazeres mediados pelo dinheiro. Nada de grandes discursos antes
e depois grandes planos e sonhos. Nada de mentiras antes e depois ilusões. E
ele ficou tantos anos sem seus prazeres mais caros que nem se apercebeu
que, se tivesse dado dez, ganhava algo mais que uma sensação
tátil. Tantos anos sem abusar, e usar, tiram o traquejo de um
homem. Nada
como sentir que as coisas não feitas são tão boas
e só por isso é que dizem que não devem ser feitas.
Nada como temperar os hábitos do sexo com abusos, com o uso daqueles
que não têm mais nada a perder e aceitam qualquer quantia
por aquilo que não tem preço. E
a xoxota dela ainda guardava um acentuado, delicioso, belo resquício
do cheiro da urina matinal. E conseguir comprar esse odor era coisa
há muito tempo não feita. Foi um danado de um belo recomeço. |
||