ÁGUA
NEGRA
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Jurandir
Araguaia
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Muitos circulavam na praça. Alguns casais aconchegados. Crianças e abelhas em movimentos desassombrados. Um ou outro velho lendo jornal. Madames com seus cães. Pipoqueiro e vendedor de algodão doce. E eu à espera de alguém. Batidas cardíacas aceleradas, calores, aflições. Marquei encontro com Helena. Éramos apenas amigos e colegas de universidade. Ela telegrafara inúmeros sinais. Toques no ombro, sorrisos, olhares. Passei a noite elaborando minha fala. Temia cometer algum erro. Exalaria os meus mais íntimos sentimentos. Loira, magra, olhos castanhos, boca fina, lábios delgados. O centro do rosto redondo era pontuado por um nariz bem feito. Postura ereta. Corpo pequeno e proporcional. Pele branca, fresca, sem manchas. Vi quando apontou do outro lado da praça. Quase uma centena de metros nos distanciava. Uma fonte ao centro. Deslocou-se por entre casais e crianças. Um vestido amarelo, leve, saia rodada, caía-lhe divinamente. Os raios do sol realçavam o brilho dos seus cabelos. Avançou risonha. Ela não esperava pela minha revelação. Eu sabia bem o que dizer. Elaborara cada frase. Estudara a colocação das vírgulas. Usaria uma entonação adequada. Escolhi um banco guarnecido por vasta sombra. Pássaros cantavam emoldurando a tarde em um frescor primaveril. Helena não andava; pairava a poucos centímetros do chão. Não conseguia ver o par de asas que a sustentava, mas deduzia sua existência. No meio do caminho a fita do filme embaraçou e a sala mergulhou em trevas. Rubião, meu melhor amigo, fazendo as vezes de seta maldita, derrubou meu sonho ao chão. Apertou-lhe a mão. Foi correspondido por um piscar de cílios que deveria ser meu. Recebeu um beijo na boca. Leve, mas era golpe difícil de suportar. Fui fatiado para serviço frio. Vieram em minha direção com as mãos dadas. O tempo fechou. Todos ignoravam a brusca mudança. Entreolhavam-se. Chegaram trazendo uma brisa polar. - Começamos a namorar ontem. Queríamos te fazer uma surpresa. Sabíamos que gostaria. Seus dois melhores amigos resolveram se conhecer melhor... Não sei bem o que disse. Um tipo de parabéns. Falsos apertos de mão. Ficamos por ali um tempo. Dei uma desculpa e me afastei. Não fizeram questão que ficasse. Demorei muito a me manifestar. A presa pertence ao caçador mais ligeiro. Queria chutar as crianças e matar os pássaros. Quanto à fonte, gostaria que a água fosse negra para se igualar à cor da minha dor... |
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