PREMONIÇÃO
José Luís Nóbrega
 
 

Nada de despertador tocando naquela manhã quente de sexta-feira. Acordou com uma andorinha que insistia em fazer seu ninho no vão da telha, bem acima da janela. Dez minutos de atraso. Foi para a cozinha preparar o café. Lá chegando, parecia ter esquecido alguma coisa no quarto. Tomou logo o café e saiu em direção ao trabalho.

Virou a primeira esquina com o carro, sentindo a sensação de que já fizera aquilo naquele mesmo dia. Alguns minutos atrás colocara o cinto de segurança, tendo uma bicicleta logo à frente. Repetição de algo que já acontecerá. Vivia naquela manhã um “déjà vu” sem fim.

Chegou no escritório atrasado. Uma xícara de chá colocada sobre a mesa já o esperava. No segundo gole a visão. O paciente da quinta-feira afirmando, categoricamente, que a filha adolescente de seu médico ficaria por dois dias perdida entre o Rio e Angra dos Reis. Tomou mais um gole de chá tentando se lembrar do nome do paciente do dia anterior. Como se chamava a pessoa que o alertara de que sua filha ficaria perdida entre o Rio e Angra? Pensou em ligar para a ex-esposa, mas ela certamente não acreditaria naquela história envolvendo a filha. E a jovem Sabrina? Ligar para ela, em plena sexta-feira, e alertá-la para um acidente que a deixaria à deriva entre o Rio e Angra? Nem pensar! A secretária entrou, enquanto ele pensava em todas as possibilidades. A agenda na clínica, naquela sexta-feira, estava lotada.

Nove horas da noite, expediente encerrado. Como era mesmo o nome do paciente que na quinta o avisara, premonitoriamente, do acidente da filha entre o Rio e Angra? Cansado, achou melhor ir direto para casa, sem se encontrar com os outros amigos médicos que se embriagavam no barzinho da esquina. Como não havia dormido bem a noite anterior, foi para casa louco para curtir algumas boas horas de sono.

Na segunda-feira chegou cedo à clínica. Logo na entrada o porteiro o aguardava com um telefone nas mãos. “É sua ex-esposa, doutor Ananias”. Pegou o telefone com os olhos arregalados. Fazia mais de dois anos que ela não ligava para ele. O último telefonema partido dela era para avisá-lo que um advogado o procuraria para tratar da separação. Mas a voz da ex estava diferente daquela da última conversa. Meio chorosa ela dizia que a filha havia ficado por dois dias desaparecida, mas que naquela manhã retornada para o Rio, depois de dois dias perdida, devido a uma pane nos motores da lancha que a levaria até Angra dos Reis. Doutor Ananias ficou mudo por instantes, e antes que a mulher lhe dissesse algo mais, desligou o telefone. Interfonou a secretaria. Pediu para que a mesma procurasse pelo paciente que na quinta-feira havia dito que a filha ficaria à deriva próximo à Angra. A secretaria, minutos depois, respondeu que na quinta nenhum homem o procurara para fazer cirurgias estéticas, só tendo atendido mulheres ávidas em melhorar a aparência em uma clínica de cirurgia plástica. "Nenhum homem mesmo, dona Catarina?” – Insistiu Ananias. “Nenhum, doutor!”

Na terça-feira acordou novamente atrasado. Nada de despertador ou andorinha a lhe interroper o sono. Mais de uma hora de atraso. Acordou cansado. Os olhos pareciam pesar duas toneladas cada. No banho a visão: um paciente o avisara que ele morreria na tarde de terça-feira, em um inexplicável acidente automobilístico. Enquanto ensaboava os cabelos, em pensamentos, a imagem de um enorme caminhão desgovernado, vindo em sua direção. Terminou o banho, e sem tomar o café, ligou para a secretária. Naquele dia não sairia de casa. Era melhor... não arriscar...