MOCINHO DE NOVELA
Beto Muniz
 
 

Eu até tinha algo a dizer, a bem da verdade marquei um encontro e fiquei horas esperando, querendo acreditar que algo inesperado, e terrivelmente catastrófico, tivesse ocorrido. Esperei, esperei e continuei esperando. Largado, só, com tudo a dizer entalado na garganta, formando aquele nó amargo (de palavras não utilizadas) que só presta para fazer brotar uma ou outra lágrima.

Pra ser sincero, no decorrer dos dias que foram se sucedendo ainda continuei tendo algo a dizer, mesmo após saber que levei bolo por motivo fútil. Era dia do antepenúltimo capítulo da novela, dia decisivo na trama. Dia em que a mocinha ainda preferiu ficar com o vilão ao invés de acreditar nas palavras sinceras do mocinho - injustiçado, difamado e preso por manobra do malvado na história. Todo mundo sabe que no último capítulo algo acontece e tira o mocinho da cadeia, limpa seu nome e prende o verdadeiro bandido... que também pode morrer com tiro espetacular no peito, porém, nunca disparado pelo mocinho que durante a trama inteira sofreu nas mãos do salafrário. Novela é isso mesmo, o bandido só não ganha no capítulo final. No último dia o mocinho fica com uma donzela que nem é tão donzela assim. E até acho que toda mocinha de novela é muito besta para não perceber, em mais de cem/duzentos capítulos, que está sendo usada, manipulada, abusada por quem não presta! Fosse eu o mocinho da história não iria perder meu tempo com uma moça tonta dessas, deixava ela pra lá, com o vilão. Eu hein!?

Apesar de ser trocado por um capítulo de novela, eu ainda tinha algo a declarar. Mas quando causei uma coincidência e me vi cara a cara, tête-à-tête, 'olhos nos olhos quero ver o que você diz', foi que percebi o desdém, a cara de quem sabia que eu estava apaixonado, o olhar de quem se depara com um tolo, o rosto escondendo um riso de deboche. Tudo isso eu vi num átimo de segundo, estava estampado como se fosse quadro antigo na parede das feições. Eu me senti como deve se sentir o mocinho da novela, na cena em que vê o vilão em pé, atrás da mocinha, passando os braços pelos ombros dela, ofertando consolo e solidariedade enquanto ele, o verdadeiro amor da vida dela, está sendo preso por tramóia, por algo que não cometeu. Então me calei, as palavras se congestionaram formando aquele nó amargo na garganta... Até posso ser bobo, mas nem tanto quanto o mocinho da novela. Não deixei que nenhuma lágrima saísse! Firmei a voz e pedi de volta o livro do Neruda que eu emprestara e me calei.

Não tinha nada mais a declarar.