DECLARAÇÃO
|
||
Bárbara
Helena
|
||
Alfredo, Declaro, para os devidos fins, que o amor está morto. Sobrou uma cigarreira com seu nome, duas meias furadas, papel de bala. Uma flor ressecada dentro do livro, o vento na janela sem sentido. Sobrou muita mágoa, três anos de mentiras, noites longas. Roupas desbotadas, mofo e tentação perdida. Lembranças esgarçadas, suas mãos morenas. E uma pitada de pena. Declaro para os devidos fins que o ódio está morto. Sobrou o Ali Babá, suas desculpas, o resgate da culpa, olho no olho, sobrou nós dois dançando no pagode do Enchanted. Da minha pobre dor, meu ridículo amor, não sobrou nada. Talvez alguns bilhetes que rasgarei amanhã na poeira do sol. Declaro para os devidos fins que a saudade está morta. Em algum canto da estante onde guardava os livros. Como barata que esmaguei sem piedade. Declaro para os devidos fins, que as nossas noites loucas escorreram pra longe, foram embora, jogar sinuca e dadinho nas calçadas. Espreitar as mulheres de bunda grande, conversar com os amigos, me roubar. A saudade viajou pra uma Índia acabada. Declaro para os devidos fins que a alegria está morta. E a tristeza, e a malícia e o perdão e as desculpas. Esfarrapadas. Declaro para os devidos fins que esqueci sua mãe e a cunhada, dei fim aos suspiros da Laurinda, joguei fora os cartões, cartas e engodos. Vendi o apartamento, me mudei pra Bangu. No Encantado ficou um guarda-chuva molhado de lágrimas, uma faca amolada de dois gumes e um vidro velho de perfume. Declaro para os devidos fins que se sobrou alguma coisa deste amor fracassado, pode ficar pra o Alfredo, em nome do passado. |
||