TELEFONEMA
Raymundo Silveira
 
 

- Alô! Rodrigo, falando.

- Oi, Rodrigo; sou Anete.

- Olá! Há quanto tempo...

- Refleti bastante antes de te telefonar. Afinal, decidi...

- Fizeste muito bem!

- Queria te pedir perdão de joelhos. Por tudo o que fiz há quase dez anos. Por ter te abandonado. Queria tentar te explicar. Nunca justificar.

- Estou escutando. Prossiga.

- Havia mais de um ano que cuidava de ti. Os médicos disseram que teu estado era grave e irreversível. Estava cansada de sofrer. Já não agüentava mais.

- Sim!

- Aquela lúgubre enfermaria. Aqueles outros doentes. Todos em fase terminal. Aquele maldito cheiro de doenças. Entendes?

- Sim, perfeitamente.

- Haverás de estares a te indagar: “por que somente agora decidiu me telefonar...?”

- Sim, por quê?

- Porque não te esqueci. Jamais te traí. O remorso sempre me torturou. Não deixei de pensar em ti um único dia. Mas, também, não tive coragem. Achava que nem me escutarias...

- Entendo!

- Soube que ficaste completamente curado.

- Pois é, milagres são raros, mas às vezes acontecem.

- Durante todo este tempo, lembraste um pouco de mim?

- Sim.

- Soube também que recebeste aquela indenização da Empresa por te ter demitido sem justa causa. No auge de uma doença incurável.

- Exatamente.

- Logo tu, um funcionário exemplar. Um empregado de confiança. Preenchias, inclusive, os cheques do teu chefe. Assinavas recibos. Guardavas o dinheiro dele. Além de tudo, tinhas mais de doze anos de trabalho.

- É, tudo isso é verdade.

- Dizem que, além da saúde, acumulaste um vasto patrimônio. Que tens casa própria, automóveis, aplicações financeiras vultosas...

- É verdade.

- Pois quanto a mim estou sofrendo, querido. Vivo da caridade dos amigos e vizinhos. Falta-me o pão, falta-me um teto, falta-me tudo. Agora sou eu que estou doente. Não tenho dinheiro nem para comprar meus remédios. Falta-me, principalmente, a companhia de alguém.

- Entendo.

- Tu me perdoas, Rodrigo?

- Sim, como não?

- Quer dizer que estás disposto a me ajudar? Não peço o teu carinho. Não peço sequer a tua piedade. Não almejo nada além de um teto pra morar, um pouco de pão e meus remédios. Em troca farei tudo o que quiseres. Tudo!

- Prossiga.

- Estou disposta a lavar e passar a tua roupa. Cozinhar. Lavar os teus banheiros. Enfim, ser a tua empregada doméstica.

- Entendo.

- Então. Estás disposto a me ajudar?

- Claro!

- Deus te pague. Sabia que tinhas um coração enorme. Que eras humano. Que serias para mim o que eu não fui para ti.

- Continue!

- Então, o que queres que eu faça?

- Que vá se foder!