INSUSTENTÁVEL
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Beto
Muniz
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Justine. Esse é o nome que imagino para ela, a mulher que eu amo e sonho encontrar uma noite qualquer, talvez em Paris, quem sabe em Itaquera. Após La Nouba, no Cirque du Soleil ou num show desses que vendem ingresso pela metade do preço e anunciam seus horários em muros de periferia, caminho de ônibus e vans circulares repletas de público cansado de horas extras. Justine ou Carine. Carine... Essa mulher teria um dom, um poder ou talento especial que a tornaria única no mundo inteiro. Talvez fosse pianista, bailarina, poetisa ou cozinheira. Ela me encantaria pelos olhos grandes, castanhos ou esverdeados. Quando sorri aparecem duas linhas de expressão no canto dos lábios e uns dentes corretos. Os cabelos são lisos, castanhos claros, curtos. Em cada uma das orelhas tem apenas um furo com um brinco de argola cigana. Douradas. Ela sorri quando me vê e posso apostar que é puro contentamento. Alegria com um misto de ansiedade desfeita e coração calmo de me ver inteiro, salvo, livre, ao alcance de suas mãos, abraços, beijos. Ela fecha os olhos quando percebe que vou beijá-la. Aline é o nome dela. Aline é melhor que Justine ou Carine, sim, ela se chamaria Aline. Ela diria olhando em meus olhos que jamais teria coragem de me deixar e eu diria que seu nome é doce de ser pronunciado através de minha boca. Diria isso porque sou péssimo para retribuir demonstrações de amor, porque não sou romântico, porque diante dela eu não teria boas palavras para dizer. Talvez eu respondesse apenas seu nome. A-li-ne - eu diria separando as sílabas enquanto a mão correria por seu corpo enlaçando sua cintura. Ou então seria meu último sussurro antes de segurar mansamente sua nuca e pousar meus lábios nos seus, desfazendo o sorriso grande de dentes corretos. O ar sairia quente dos pulmões e a língua explodiria duplamente no céu da boca deixando escapar seu nome, A-LI-NE. Em algum lugar um som de violinos, ou seria novamente minha imaginação pregando peças? Aline existe apenas na minha mente cansada de horas extras. Uma mulher como ela não é possível e a realidade é que estou sozinho, protegido da garoa, esperando ônibus. Do outro lado da rua, um cartaz colado no muro anuncia uma peça. METADE DO PREÇO! A oferta está em letras garrafais, ganhando maior destaque que o nome da atriz principal. Ângela é o nome dela. O sobrenome foi rasgado, arrancado junto com o resto do cartaz. Algum insensível... atualmente as pessoas estão menos românticas. |
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