REFLEXOS
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Zeca
São Bernardo
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Bom,
então, você ainda está ai! Também, não
creio que pudesse ser de outra maneira...mas, quem sabe, não
é? Realmente,
não me surpreenderia nem um pouco que tivesses ido embora. Fugido,
sabe-se para onde e não faço muita questão de imaginar.
Afinal de contas, umas tantas bem feitas e outras nem tanto, acabo sempre
pensando em você como algo muito distante de mim. Insólito,
não? Talvez, mais estranha seja essa nossa proximidade distante! Quanto
tempo não te vejo? Alguns dias? Ou serão já alguns
meses...Deus, nem me lembro mais a última vez que vi seu rosto. Não,
não me leve a mal! Não se irrite assim, comigo. Bem
posso crer que a minha presença seja-lhe, até, repulsiva. Quem
pode me garantir que daí, donde está, você não
é meu maior critico? Encerrado nesta superfície lisa,
olhando-me de espelho em espelho...seguindo-me cidade a fora em tudo
que possa refletir uma imagem. Convexo
plano faltam-me palavras para ouvir vindas de tu. Permite-me que chame-o
ou trate-o por tu? Também, pudera, que se esperar de um reflexo? Tantas
perguntas, tantas dúvidas que tenho, tantas dívidas a
liquidar, tanto a ser feito, tanto, tanto, tanto... Tantos
absurdos! Como este de me imitar nos menores movimentos, como aquele
outro das coisas aparecerem muitas vezes tão distantes refletidas
ai e estarem logo as minhas costas, ao meu lado, ao largo de um toque
qualquer. Mas,
diga-me algo a final! Será que não consigo ouvir te, será
que não tens voz, será que sou surdo ao apelo de minha
própria consciência que me adverte sobre a iniqüidade
do outro lado, do outro mundo. E
que mundo é esse, Reflexo? Enfim, achei um nome para lhe dar... Um
mundo perfeito, talvez? Ah, sim um mundo perfeito. Claro está
que a perfeição só pode ser isso: ou bem é
coisa de um deus distante ou a realidade da imaginação
livre. Livre,
livre, livre, livre, livre sim e...só! Eu,
eu, eu, eu, tu...nós! Só,
só, só...sois Sol, só! Invejo
te, no silêncio imagino seu mundo de cristal. Suas conquistas,
realizações. Espero e estimo que tenham sido muitas. Quem
sabes casas te com ela? Com a rainha do baile, daquele baile...daquela
noite. Fizeste
aquela faculdade no tempo certo e, hoje, és um doutor! Escreveste
aquele livro, finalmente, sim, aquele tão sonhado livro. Era
um romance? Uma compilação de contos? Não, não
estou quase me lembrando era uma antologia de poesias...ou não
era nada disso? Não
sei, não sei. Súbito,
toma-me um lampejo de mórbida certeza. Pouco importa o quanto
eu continue teimando em berrar com este espelho! Pouco
importa, afinal, se como crêem alguns há um outro mundo
do outro lado do espelho tudo que lá há são reflexos
do que aqui se encontra. Pálidos, turvos, curvos, gordos, magros,
sonhados desajeitados. Espere ai, sonhados não! Calma lá,
que em matéria de sonho disse nos muito Freud( pena que nunca
entendi muito bem) e portanto, você reflexo não pode nem
ao menos ter seus próprios sonhos. Tu
estás condenado! Sim, condenado a sonhar o reflexo distorcido
de meus sonhos despedaçados. Ai,
quanto dor, ai que dó que apossou-se de mim. Dó de ti,
de nós, de todos, de tudo...pena da finitude carrego tua tinta
com minha distante e distante poesia só para olhar nesses olhos
castanhos e encontrar lá, no fundo, a certeza- aquela certeza-
de que algo valeu a pena numa vida inteira. Até
outro dia, meu triste amigo, até outro dia... Até outro dia, afinal qualquer dia desses vou ter que fazer a barba novamente! |