DORA E DIRCE
Osvaldo Pastorelli
 
 

Estavam sempre juntas. Onde estava a Dora estava a Dirce, onde estava a Dirce estava a Dora. Se procurasse a Dora encontrava a Dirce ou se procurasse a Dirce achava a Dora.

Sempre juntas, amigas inseparáveis. Sempre rindo, brincando, conversando, parecia que com elas não tinha tempo ruim. Não rejeitavam serviço, dispostas para tudo. Todas as vezes que eu chegava, fosse a hora que fosse, as encontrava limpando as mesas ou tirando o lixo. Nunca ouvi uma reclamação que fosse da parte delas. Se estavam ali era para trabalharem, diziam, e nunca vi nenhuma das duas paradas sem serviço. Gostava de brincar com elas.

- Bom dia.

- Bom dia.

- Vocês duas ainda vão se casar.

- Sai pra lá, meu negócio é homem, dizia Dora, uma morena forte, espevitada, rosto cheio, olhos brilhantes.

- E eu tenho o meu negão, dizia a Dirce, uma negra alta, magra, serelepe, manhosa e escorregadia, era raro cair numa brincadeira. Um dia as ouvi falando:

- Vai lá pergunta você.

- Eu não, pergunta você.

- O que foi? Perguntei.

Chegaram perto da minha mesa e timidamente me perguntaram:

- Sabe aquelas revistas?

- Que revistas?

- Pornográficas.

- Sei. O que têm elas?

- Aquelas fotos são montagem não são?

- Quais fotos Dirce?

- Aquelas fotos... que o homem fica em cima ou...

- Ah! As fotos de sexos?

- É.

- Não é montagem, são fotos mesmo.

- Não acredito!

- Claro que são.

- Aquelas fotos de...

- De penetração?

- Sim...

- Não são montagens, são fotos.

- Não acredito, disse Dora.

- Deve doer, disse a Dirce, pela frente tudo bem até posso acreditar, mas por traz!

- Gosto é gosto, Dora.

- Que gosto ruim, eu hein!

- Tem gente que goza com a dor, precisam da dor para se satisfazer.

- Eu hein, gostar de sentir dor por puro prazer?

- Feijão com arroz todos os dias enjoa, Dirce.

- Ah! Nunca vou deixar de gostar de feijão com arroz.

E com a terceirização do pessoal da limpeza elas, tanto a Dora quanto a Dirce forma demitidas. Tantos anos juntas, se sentiram quando precisaram se separar, cada uma tomou o rumo de sua vida.

E esses dias, o pessoal ficou sabendo que a Dirce está com câncer, jogada numa cama, sem ter uma viva alma para cuidar dela. O pessoal que a conhecia juntaram uma quantia em dinheiro procuraram a Dora e levaram para ela.

Dizem que a encontraram variando, perguntando a todo o momento: “Quem sou eu?”

Um mês depois veio a falecer.

 
 
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