O
GATO DE SCHRODINGER
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Gustavo
Colombini
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Enchi de medo o que era cheio de nada. Eu era um recorte de vida, uma peça mecânica. Eu era uma engrenagem de sentido anti-horário. Via pessoa por pessoa caminhando sem olhos à frente. A vida faz sinal. Na sorte que tive, olhei para os pés. Vi a vida, no canto do olho, acenando seu braço curto. Eu tenho medo de estranhos. Eu não respondo para eles. Nunca respondi. Mantive alto o nível de ar nos pulmões. Me vinha uma tontura leve, uma moleza frágil, caso eliminasse demais o ar que me mantinha vivo. Vejo aqui pessoas sem vida. Preferia ver, como antes, a morte como fato e só. Preferia ver a semi-vida que trazia luz estranha aos lençóis esticados no sol. Metade de mim perde vida. Metade de mim, morre. Fico ao pouco que sobra e tenho medo. Existe tanto de mim dentro de mim, que tenho medo de descobrir-me ainda mais. Paro de falar comigo. Parei de dar voz ao que nunca me deu descanso. Como se minha voz me machucasse ao ponto de arranhar as paredes vermelhas da garganta sem som. Surda, sem medo dos sinais sem sentido. Eu nunca mais me respondi. Alguém de mim, estranho a mim mesmo. Caiam alma e sombra. Nada a mais existe se de um homem caem alma e sombra. Posso sugerir outras formas de vida. Serão apenas sugestões e fim. Não existem escolhas. Minha vida é uma equação matemática que expressa essa possibilidade dupla, este ser-ou-não-ser, este haver-ou-não-haver. Ter feito com que uma coisa 'tenha acontecido', e todas as outras probabilidades 'tenham deixado de acontecer'. Senti nascer minhas células cardíacas. Elas pulsam sem sono. Não caem, não desviam do caminho pulsante. Eu era um ritmo, um compasso perfeito. Eu era uma roda de borracha, uma alma de plástico. Eu escolhi ser assim, e sou mais feliz do que posso ser. Isso é triste. Senti o limite que estenderam às minhas células. Eu não creio mais em nada. Desliguei minha cabeça e deixei que as células continuassem. Deixá-las assim. Deixem-nas ser dessa maneira! Deixem, deixem-nas ser! Era o dia do meu aniversário. Eu nunca me senti tão meu quanto naquele momento do espelho. Eu era parte de mim, face de quem sempre permaneceu dentro de mim. Eu era pensamento solidificado com tempo. Eu era um recorte de vida, um ar que marcava a superfície. Nasciam comigo, mais milhões e milhões de pessoas. Nenhuma igual a mim. Nenhuma igual a mim. Sabe, eu mantenho meu movimento pra não desaparecer de mim. Meus olhos cansam. Estou morto de cansaço. Hoje mesmo, fez tanto luar que fechando os olhos eu senti o cheiro por completo do céu. Hoje é um dia especial. Meus amigos saíram pra comemorar o meu aniversário. Ninguém, ninguém me convidou. |
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