A
LIBERTA
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Cris
Dakinis
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O antro úmido, frio e imundo passou a ostentar, surpreendentemente, algo de aconchegante. Dali a poucos instantes ela daria adeus àquelas paredes que rodearam-na por tempo demais... Aguardara tanto por aquele momento de libertação, que considerou até um tanto irônico a nostalgia que a tomava. Não haveria ensejo para saudades, nem ela jamais iria senti-las. Ouviu o som arrastado do pesado portão de ferro a abrir-se, e como sempre acontecia, a luz externa ofuscou-lhe a vista. Vislumbrou, ainda assim, um homem excepcionalmente alto, trajado de negro a aproximar-se. __ Vejo que se encontra preparada... Na verdade, avisaram-me de que estava pronta... __ Sabe por que vim, não? Enquanto aguardava sua resposta, ele admirou-se de como ela continuava a ostentar um aspecto bastante atraente, ainda que excessivamente magra e pálida. Havia em seu porte esguio algo de uma leveza etérea, uma aura de serenidade, uma placidez que dir-se-ia um tanto inapropriada para aquele recinto. __ Por que o senhor veio? __ Para resguardar-lhe os direitos! Evitemos demoras. Logo seguiremos... __ Há algo que queira dizer-me em particular? Sem mais poder suportar tanta pressão, ela declarou: __ Sou curandeira! Se meus ungüentos e preparos de infusões com ervas para os chás com que tratei inúmeros enfermos foram danosos... __ Assumo: sou culpada! Ele sentiu-se atordoado com aquelas súbitas e inesperadas palavras que ela acabara de proferir, mas não houve tempo para réplica: __ Sou idólatra! Se meus rogos aos anjos e protetores, aos santos e intercessores, que tanto auxiliaram-me foram inadequados... __ Assumo: sou culpada! Ao relancear os livros espalhados por sobre o leito, ele observou serem sobre medievalismo, teosofia e assuntos semelhantes... Enfim, enquanto uma oficial de justiça acompanhada de um agente penitenciário aproximaram-se para libertá-la, ele, de seu celular, telefonou a um amigo psiquiatra, acostumado a tratar pacientes detentos com surtos delirantes. Relaxou: em breve sua bela cliente estaria reabilitada do trauma de cinco dias de indevida detenção. |