JÓ
E A TIMBALADA
|
||
Beto
Muniz
|
||
Acho estranho alguém dizer de si mesmo. Sem falsas modéstias, eu não diria nada, mas se o tema pede e sou obrigado a revelar alguma coisa sobre mim, eu diria que sou tolerante. Tenho uma paciência de personagem bíblico... Mas isso é apenas meia verdade, pois ela tem limite! E quando termina sou inconseqüente. Meu cunhado sabe bem como é isso. Ele é gente boa, porém, tem gostos e manias discutíveis. Gosta (ou gostava) de 'axé-music' e sempre que compra um novo cd põe o disco para tocar a mesma música até decorar a letra. Como a memória dele não é das melhores, uma ou outra canção é repetida horas e horas. Em volume máximo! Já estava acostumado com a mania, o problema era o estilo musical. Dois anos atrás, no natal, ele ganhou da Daniela, a ex-namorada, um box com a obra completa (se podemos chamar assim) da Banda predileta dele. Papai Noel bem que poderia ter descido com a encomenda dela só no dia seguinte. O dingobel foi substituído pelo axé-music no acompanhamento da ceia natalina. Eu calmo, mastigando castanhas, lombo de leitão e uvas passas. No carnaval seguinte o distinto comprou um CD dos Sambas-enredos e passamos o feriadão inteiro ouvindo o tal disco. Acredito que minha tolerância não foi para o brejo porque ele não cismou de aprender alguma letra! Minha paciência se esgotou num feriado em família, ano passado. Litoral paulista, lá estava o moço com uma nova aquisição. Ultimo lançamento da banda-não-sei-o-quê. A vocalista tem boa voz, mas axé não dá... e passei metade do dia de feriado ouvindo a mesma música, com o moço desafinado balbuciando partes da letra. Quando eu estava, silenciosamente, perdendo a calma, ele e a atual noiva cismaram de ir para o quiosque do Alemão tomar uma caipirinha. Silêncio e salvação. No dia seguinte mais axé. Mais irritação, mais feriadão sendo estraçalhado. Nem a namorada do moço agüentava mais ouvir aquilo, mas pelas experiências dos anos anteriores eu já sabia que seria difícil convencer ele a desligar o som ou trocar o disco. Na minha cabeça um zumbido incômodo, constante, tirando a concentração nos cuidados com a picanha na churrasqueira... a paciência se esgotou quando a sogra pediu, pela enésima vez, que ele ao menos baixasse o volume. Emendei enquanto cortava um naco de carne mal-passada: - Deixa ele! Deve ser saudade da Daniela, ela que adorava axé-music... Bastou. Foi um fuzuê! A casa de praia parecia um cortiço italiano de novela. A noiva recolhendo biquínis, roupas, travesseiro e dizendo que ia embora... o noivado quase foi desfeito. O cunhado ficou bem uns cinco feriados em família sem falar comigo, mas os CDs e MP3 de axé nunca mais tocaram. Sumiram. Esse sou eu. A família inteira acha que exagerei, mas ninguém me recriminou. |
||