TENTATIVAS
DE NÃO SER BURGUÊS
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Antony
Bergson
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O dia está frio. Um bom motivo para P. levantar-se. O relógio já tinha despertado há algum tempo, mas P. simplesmente desligou-o e voltou a dormir. Já é 11:00 da manhã. P. decide levantar-se da cama, pois precisa colocar seus compromissos em dia. Quais compromissos ele tem? Ninguém sabe. Um jovem que não trabalha e não levanta cedo, teria algum compromisso? Os estudos? Pobre P. tem compromissos sérios e ninguém sabe. Talvez ele fosse mais bem visto pela sociedade se ele cuidasse mais de seus compromissos. É isso que ele luta para fazer. P. vai para a sala e senta-se no sofá imaginando o que tem que fazer. Fica frustrado por ter levantado tão tarde em plena terça-feira. Lembra-se que está começando a fazer as mesmas coisas inúteis que fez no dia anterior. Ele pensa que cada dia passado, mais distante ele vai ficando dos seus compromissos. Então, sente um leve desespero interno, coisa estranha de descrever (quem já sentiu talvez entenda), é uma tempestade de sentimentos negativos, uma tormenta contra um coração frágil e dócil. É bem provável que ele deixe para se suicidar amanhã. Talvez o dia de hoje esteja sendo difícil apenas porque ele levantou-se tarde, trazendo com isso, vários motivos inúteis para seu dia. Desiste de ficar pensando coisas deprimentes e vai para seu quarto novamente. Agora ele pretende estudar um pouco, e logo após, planejar seu novo dia. P. fez planos que só poderá conseguir a partir de estudos, árduos estudos. Não é fácil arduamente se esforçar, e se contentar com pequenos avanços, principalmente quando se tem que iniciar os estudos. Parece infindável e sofredor demais. Mas dessa vez P. está disposto, a seguir algo, pelo menos durante algum tempo, cerca de 7 ou 8 anos. P. não tem amigos, talvez por sua altivez, ou por sua doença, ou quem sabe até mesmo por temer relacionamento com os seres humanos que o desprezam, que não dão atenção necessária ao espirituoso P. Durante a noite, quando está tudo quieto lá fora, P. está em casa, deitado em sua confortável cama, com seu ventilador ligado e a temperatura tendendo ao frio, aquela temperatura agradável para dormir coberto por um edredom, com os pés para fora. Pensativo, ele espera o efeito do antidepressivo, que seu pai acabou de lhe dar fazer efeito, enquanto espera o sono forçado, ele lê um livro de Nietzsche, e por alguns momentos fica com sorriso no rosto, pensa estar se transformando no super-homem, sente-se superior a si mesmo, ao dia inativo que passou, é um ser que está tirando todo cansaço e indisposição de dentro, está se transformando! Fecha o livro, já atordoado pelo sono forçado, ele delira. Pensa na guerra existente, nos chineses trabalhando, nos que passam fome, nos que trabalham arduamente para gastar tudo no fim do mês com contas, alguns que gastam antes com algum vício que julgam necessário e merecido, nos que estão no leito de morte, nos que estão rezando para seu Deus, gasta um tempo tentando descobrir se dentro de alguma circunstância possa existir algum ser humano como ele, que acabou de fazer as coisas que ele acabou de fazer, é bem possível, existem bilhões de candidatos, ou até, quem sabe, alguém que fez tudo que ele fez e que esteja também pensando se existe alguém como ele. E se for uma mulher, talvez da sua idade, até mesmo do seu país, se ele encontra-se ela, teria motivo para deixar a ociosidade, teria em quem aspirar força e desejo, seria possível até viver novamente. Adormece um sono sem sonhos nem pesadelos, um sono imposto, um sono forçado. |
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