DANE-SE PLATÃO
Zeca São Bernardo
 
 

Ah, ai está! No meio de tantos papeis velhos socados nesta caixa de sapatos...bem, que se esperar de uma foto dos tempos do ginásio?

Meu Deus, ainda existe isso de ginásio ou já deram outro nome? De qualquer forma a qualidade do ensino parece que continua a mesma: entre pouca e nenhuma.

Mas essa história fica para a próxima! Não tenho como não rever meus queridos amigos nesta foto e lembrar-me dos nomes de um por um.

Vejamos, aqui estou eu! Bem, tenho quase certeza de sou eu...esta aqui é o Teixeira, sim sem dúvida, com essa cara de mal humorado. Aquele ali é o Benedito e pensar que nossos professores juravam que ele era um gênio. Que entre tanta mediocridade reunida o veriam doutor!

Encontrei-o outro dia vendendo cachorro- quente numa esquina de São Paulo.

Aquela ali é a Rita, grande Rita, grande mesmo treze anos e 1, 86 cm de altura! Nunca mais a vi ou tive notícias.

Entre tantos rostos está o seu, que bem poderia ser escrito como céu e danem-se os gramáticos, os pragmáticos, os filólogos, os filósofos, e o maldito Abreu que tornou-se oftalmologista e já cansou-se de me falar que você nunca foi tão bonita assim!

Ora, a emoção é minha e nomeio tua face de meu céu. Assim como dei te meu coração há mais de vinte anos numa tarde de verão. Assim como trovejam em meus pobres ouvidos os teus nãos e seus olhares de piedade. Que para mim sempre foram de desprezo se não, ao menos de dó!

Bom, que se esperar de alguém que leu as obras completas do Dr Freud aos quatorze anos? Além de que tenha queda pela poesia e declare-se apaixonado pela colega de sala de aula, vitimado de um agônico amor platônico.

Calma lá, platônico virgulas- só para não meter um palavrão neste texto- não roubei-lhe nem um beijo por que você fugiu de mim! Logo o amor é impossível e não platônico e, ainda, tenho lá minhas dúvidas sobre o que Platão entendia de amor.

Fiquemos assim; você ai eternizada nesta foto no meio desses outros rostos todos. E eu aqui, cada vez enquando abrindo esta velha caixa de sapatos, revirando estes recibos velhos e disfarçando o sorriso toda vez que encontro a foto no mesmo lugar que a escondi.

Sim, fiquemos assim... se não logo começarei a falar dos crimes que cometeste! Todos imperdoáveis e gravíssimos. Vejam só, fiel esposa de um sujeito muito feliz e mãe de duas crianças lindas- obviamente puxaram a mãe- nem minha mulher, nem mãe de meus filhos...presente em todas as minhas preces, sorrindo nos meus sonhos delinqüentes e que mesmo assim não conseguem ser devassos.

Tenho até vontade de tomar um trago, talvez um conhaque caísse bem com o amargo gosto da boca e tingisse de amarelo a foto desbotada. Mas, sei, que tudo isso não me impediria de lembrar de você.

Bem, ei-la de volta ao seu lugar! No fundo da caixa. Lá se vão a turma do ginásio e seus sorrisos.

Qualquer dia desses, se voltar a encontrar algum deles tenho que perguntar se alguém lembra daquela menina linda que sentava no meio da sala. Não, não quero mais saber da sua vida. Nem tentar qualquer tipo de aproximação, é que simplesmente esqueci seu nome!