OS
MENINOS DE EFIGÊNIA
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Maria
Luísa Rocha
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Uma rua pequena e tranqüila do bairro Eldorado foi o palco das travessuras e alegrias de Efigênia durante sua segunda infância. Sua família mudou-se para lá quando a menina tinha acabado de completar 7 anos. Era mês de junho e seu pai, Seu Afonso, preparara vários balões com folhas de seda dispostas ao redor de uma estrutura hexagonal de arame e coladas caprichosamente com um grude feito de farinha de trigo e água. As boquilhas feitas com estopa eram empapadas com querosene e a criançada se afastava assim que o fósforo acendia a chama que impulsionaria os balões para a escuridão daquelas frias e estreladas noites de inverno. Os balões de São João eram lindíssimos, coloridos e alegres, e aquelas noites eram mágicas para a criançada que morava na rua Corumbá. Havia também no ar, saindo das cozinhas, cheiro bom de canjica, de pipoca e até de quentão. Desta maneira, a família de Efigênia foi muito bem recebida no bairro e a menininha sentiu-se feliz com as novidades . De manhã, ela ia para o grupo escolar, de carona com o Luís Márcio, menino rico cuja família contratara um chofer para dirigir uma possante caminhonete verde. Ela se sentava junto ao amigo, colada na janela, muito tímida e calada diante de tanta magnificência. Um belo dia, numa curva, a porta da caminhonete abriu-se a Efigênia foi lançada ao chão. Arranhou-se toda e até hoje tem uma cicatriz na perna que, aliás, é um orgulho, quase uma tatuagem. O alvoroço estabelecido, todos acudiram e correram com a menina para o pronto-socorro. Mas foi só um susto. As tardes eram longas e maravilhosas. Efigênia saía correndo da casa, abria o portão e ia se encontrar com os meninos do Seu Sílvio, o policial, com o Max, filho único e mimado da gorda polonesa e com os quatro filhos do seu Inácio, representante comercial que vivia viajando. Subiam no pé de pequi, brincavam de polícia e ladrão, exploravam manilhas que foram trazidas pela companhia de água e esgoto e permaneciam abandonadas esperando licitações que nunca se concretizavam... E brincavam também de índio e caubói. Efigênia era sempre a mais obediente e por isso mesmo a mais requisitada. Ela levava para os piqueniques lanches variados; tinha empadinha, rocambole, goiabada com queijo e biscoitos de nata. Seu pai tinha a melhor situação financeira naquela rua e isto se fazia refletir na cozinha de sua mãe, aliás, excelente cozinheira. O Natal estava por chegar e Efigênia resolveu pedir para o Papai Noel o presente de seus sonhos. Escreveu uma cartinha, pedindo um filhote de cachorro, macho e vira-lata. Sofreu vários dias, enquanto aguardava a resposta que finalmente chegou. O representante oficial do velhinho das barbas brancas assinalou um sim onde a menina escrevera: Marque com um X a resposta certa para o pedido: Sim - Não. E o cachorrinho chegou no dia 25 de manhã daquele ano, dentro de uma caixa de papelão, ao lado do sapato de Efigênia. Ela nem quis saber da boneca e do jogo de panelinhas. Correu para a rua e chamou a turma: - gente, corre, vamos ver se a gente descobre umas trilhas de índio. O Rintim vai nos ajudar. Os meninos ficaram com inveja, mas a novidade era boa demais para tal pecado e aceitaram a missão na mesma hora. O Rintim não durou nem um ano: latia muito e algum vizinho desalmado deu-lhe uma bola de carne envenenada. Efigênia chorou muito e só se consolou meses depois, quando seu Afonso apareceu com outro cãozinho, vira-lata e macho, como a menina gostava. Hoje Efigênia tem quarenta e sete anos, tem vários cachorros, nenhum vira-lata, mora em um apartamento pequeno e sem sol, não come quitutes porque tem distúrbios intestinais e lamenta que não se possa mais soltar balão nas noites de junho porque podem provocar incêndios. Efigênia não tem amigas, mas adora assistir sozinha a filmes de faroeste . |
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