FOTOGRAFIA
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Luísa
Aparecida Mendo
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Joana
subiu devagar os degraus. Tinha mais tempo que disposição.
A chave, emperrada, insistia em não realizar sua tarefa e foi
preciso muita paciência e óleo lubrificante para conseguir
destrancar aquela porta. Em outros tempos Joana teria usado os pés,
para colocar abaixo aquela desaforada, mas não era só
a fechadura do sótão que havia emperrado. "Cuidado
com o coração, não abuse" recomendava, toda
semana, o doutor Artur, mas o doutor Artur não ficava o dia todo
trancado em uma casa velha. Sem
saber o que estava procurando, Joana foi abrindo gavetas e desfazendo
embrulhos. Sentia-se como um pirata solitário, que abre seu tesouro
e espia nele os melhores momentos de sua vida, suas lutas, suas alegrias,
suas conquistas e, depois, sem poder partilhar esse tesouro, recoloca
as pedras sobre o baú e volta para o comum das coisas, levando
consigo apenas o mapa daquilo que não pode usufruir. Joana
apanhou a fotografia e demorou para encontrar a si mesma. Era a quarta
da direita para a esquerda, bem ao lado daquela moça, - Como
é mesmo o nome dela? - que deixou o esporte para se casar com
um príncipe africano. -
Que festa! -
Como? - Joana desequilibrou-se com a observação do jovem
ao seu lado. -
A festa do casamento de Lígia com o príncipe africano.
- disse o rapaz, ajudando Joana a sentar-se novamente sobre o baú. Um grande silêncio se fez e Joana, de olhos fechados, esperava recuperar o juízo, pois um homem não pode sair de uma fotografia. Alguém
deu início a um aplauso e num instante, uma multidão batia
palmas dentro do sótão. Joana abriu os olhos e seu coração
seguiu o ritmo alucinado das batidas. - Cuidado com o coração.
- costuma dizer o doutor Artur, mas o doutor Artur nunca soube o que
é subir num pódio, nunca ouviu o hino de seu país
ser tocado por sua causa. Essas coisas criam fibras especiais no coração
e eles deixam de ser mortais. O sótão era pequeno e estava atulhado de trastes, mas cada um foi se ajeitando sobre os escombros daquela vida. Estavam com seus rostos jovens e seus corpos atléticos, como nos velhos tempos do clube náutico. Alguns traziam no peito suas medalhas e Joana quis ornar-se com as suas também, mas eram tantas que o velho corpo arqueado não podia sustentar. O
sol dourado, que vazava pela clarabóia, foi esmaecendo, como
se lhe retirassem as últimas forças e, ao som vibrante
daquele riso solto da juventude, o ambiente foi mergulhando na escuridão. |