FORA
DO SISTEMA
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Ellen
Maria
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Bons tempos que o salário pagava todas as contas e ainda sobrava um tostão para uma sessão de cine do bairro. Bons tempos aquele que eu dormia com travesseiro de espuma e me sentia satisfeito. Acordava com remela nos cantos e achavam-me lindo. Trajetava a pé ao trabalho e era feliz. Chapéu me caía bem nas noites de festa. As frutas eram todas benfazejas. As escolas públicas eram as melhores, os hospitais mais seguros. Hoje me vendo a preço de banana. Cinema virou passeio de luxo, não sei qual o último filme em cartaz. Nem plumas nem penas presenteiam-me sonhos doces a noite. Olhos sonolentos afastam qualquer tentativa de relacionamento. Carro tornou-se indispensável, o ônibus, indesejado. Tem gente que sai pelado, ou usa vestido por cima da calça. Tanto agrotóxico vai me deixar sem cérebro. Os quartos são menores, os corredores mais estreitos, as ruas mais escuras. As máquinas mais humanas, as pessoas mais engenhosas, outras tantas complexas. Os cachorros mais sarnentos, as drogas mais acessíveis. Grande coisa fumar maconha, a fumaça não é proibida e o mentolado, há tempos, ultrapassado. As pernas de fora tornaram-se costume. As mulheres estão insatisfeitas, os homens sacanas. O sexo não é mais pecado, o beijo, muito menos condenado. Elas gostam de cana, eles enchem a cara. A música da hora é o rebolativo. O programa de tv, apelativo. São cretinos, inteligentes, independentes. O orgasmo é exigido, o casual, convidativo. As flores faliram. Flertes viraram catos. O casamento virou arte. De emburrecimento. Suplicam à geladeira quatro portas, rogam pelo carro mais potente, invejam a mansão do presidente. A vida virou mercadoria, o amor filosofia, não mais essencial. A beata não freqüenta a igreja, preferiu tomar cerveja, junto à televisão. A senhora não quer mais à luz de velas, quer jantar vendo novela, com o pé no maridão. O cego não ganha esmola, o filho foge da escola, pra correr atrás da bola. As musas estão de pernas abertas, o coração em oferta, no mercado padrão. O seio é de plástico, o corpo de elástico, indolente questão. Tem uma coisa estranha tomando conta do mundo. Chamam de globalização. |
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