MAIS UMA NOITE
Elaine Brunialti
 
 

A noite era quente e úmida, o céu de azul marinho profundo, estranhamente sem estrelas e sem luar e já passava das nove.

O perfume de jasmim exalava inebriante por toda a campina verdejante molhada pelo orvalho, deixando-os ainda mais embriagados em profundo torpor. Era assim, desde há tanto tempo que já não sabiam mais contar quanto. Não havia como fugir, por mais que tentassem.

Dentro de uma hora, com estranha e costumeira precisão, a lua surgiria nascida do lago com seu brilho prateado, despertando todo o lado obscuro que escondiam em suas entranhas.

Havia algo de lascivo no sopro do vento, que teimava em uivar suavemente, como um sussurro convidando ao pecado.

Há tanto tempo que tudo começara. Um inocente baile juvenil que transformaria para sempre suas vidas.

Ainda ouviam a voz da velha senhora implorando para que se afastassem, não se envolvessem, se esquecessem, como se conselhos adiantassem quando tudo parecia perfeito demais, ardente demais, quanto tudo era intenso demais.

Nem a velha senhora, seus oráculos, cartas, pedras e poções adiantaram. A pobre mulher tentando impedir o que não poderia jamais ser impedido. A maldição.

Agora, não havia mais retorno, a lua nascia. O véu da noite caíra descobrindo as estrelas, aquecendo a madrugada e fazendo suar os seus corpos, que se tornaram mais uma vez belos, perfeitos e prontos.

Correriam pela relva, subiriam as montanhas e tentariam alcançar a lua. Se amariam como ninguém nunca se amou, seriam como ninguém nunca foi. Chegariam sedentos à casa da velha senhora, onde seriam acolhidos, alimentados e descansariam seus restos como se não lhes fosse concedida outra noite.

Mais uma vez, ouviriam a história em que não acreditaram. Mais uma vez chorariam em desespero e pediriam perdão à velha senhora. Pediriam também novas poções, e embora tendo certeza que não havia mais onde e o que procurar, por piedade os iludiria dizendo ser algo novo dentro das taças cor de sangue.

A madrugada em seu ápice gerava o momento em que por instantes toda àquela magia seria aplacada e os deixaria ser o que foram por alguns minutos.

Poderiam então se olhar nos olhos e uniriam seus lábios sendo que o foram um dia, jovens, cheios de vida, de sonho. Pensariam no amor que desejaram que um dia fosse abençoado, onde gerariam filhos, netos, sendo como a vida deveria ser, se tudo seguisse seu ritmo natural. Se não houvesse a maldição.

Era sempre assim, poucos minutos onde poderiam novamente viver. Então, num passe de magia a lucerna de acende e num último e desesperado ato de compaixão a velha senhora feria os seus corpos unidos com a lança de prata, já enegrecida permanentemente pelo tempo, na esperança de que essa fosse a última vez.

Mas como sempre um estrondo e o vento soprava mais forte. Eles retiravam a lança do peito e cheios de gratidão colocavam-na sob os pés da velha senhora - como sempre.

Nos olhares sem vida, aparente corriam as lágrimas da despedida, que infelizmente não seriam as últimas, como tanto desejavam. Um uivo, um grito, corriam novamente pela campina, onde o luar já desaparecia, onde o jasmim não mais perfumava, onde o orvalho já não mais existia.

Desta vez ele homem, ela animal e a certeza de tudo que tudo recomeçaria na próxima imensa e odiada noite de lua cheia.