QUEM
TEM MEDO DE YOSEF?
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Eduardo
Prearo
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Estou morando na casa onde Yosef morava. Não tive mais notícias dele, que está na Europa. Meus pensamentos parecem um rio que desemboca no mar da vagabundagem. Pelo que sei, Yosef sempre tirava os sapatos antes de entrar aqui. Eu esqueço de tirá-los: levo a sujeira pra sala, pro quarto, pra cozinha e pro banheiro. Gastei pra fazer uma decoraçãozinha, mas fiquei enjoado dela ou então talvez enojado. Yosef não tinha tempo pra essas coisas, tanto que nem cortinas colocou. Eu já não, sou meio paranóico (nada normal) e botei umas cortinas cor de vinho. Tenho ouvido muito Jardim D'Eden, de Arom. É música cantada em francês, língua que acho dificílima. Estou ouvindo-a agora. Há pouco vim da rua; fui dar um vôo pela Paulista. Lembro-me de que um menino correu até mim mas parou de repente, falando não, não, tabaco! Ele creu que eu fosse um fumante. Está na cara, ando devagar, tenho ficado cada vez mais lento e também cada vez mais onicófago. Nessa interminável fase de auto-conhecimento, descobri que gosto de Trip Hop. A atmosfera deste lugar tem-me impedido de ter hemorragia branca, mas choro demais nos sonhos. Não sei se surto ou zôo. Devo admitir que sou um deslumbrado, e que pessoas bem-vestidas e gostosas me incomodam. Devo admitir que no momento somente a sensibilidade alheia, dos que deram certo, importa. Quero ainda ser o rei da Night. Yosef era arrebatador em qualquer festa que chegasse. Ontem, cheguei a pensar como os antigos, que a vida termina aos quarenta. Bom, fora de cogitação estão o banco de sêmen e um emprego fantástico, algo que me torne um milionário. As coisas pelo que passo não são pesadas, mas dizem que o que falo sim. Yosef é que é gente, e quanto a mim, não me sinto gente, não acho que me olhem como gente. Há uma noite dentro de mim, imensa, e ela talvez seja a famigerada noite negra da alma, se é que tenho alma. Lembro-me de que matava formigas com uma lupa. Está na cara, sou um monstrinho. Não entendo por que quis ser o sucessor de Yosef. Há uma carta sobre a mesa que não abri. Não é de Yosef, com certeza. Assim sem remetente, presumo que seja cobrança. Preciso abri-la. Vou contar até três, de trás pra frente: três, dois, um... ... CARO SR. PAOLO, COMPAREÇA INCONTINENTI AO BANCO CIDADE... ... Sim, é um cobrança. Mesmo havendo pessoas que sempre de uma forma ou de outra me corrigem, é difícil eu errar em casos assim. No nadir do óbvio, sem dúvida, sou mister. As surpresas, e sobretudo agradáveis, são raríssimas. Se há alguém que tem medo de Yosef neste plano, sou eu, talvez somente eu. Medo do mundo dele e das pessoas que o rodeiam. Agora entendo quando me disseram que ele é minha antítese. Quem disse isso certamente quis dizer que gosta mais dele do que de mim. |
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