CONCERTO
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Bárbara
Helena
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"Com
açúcar, com afeto, Ela apanhou a linha, enfiou no buraco da agulha na máquina e puxou do outro lado habilmente. Seus quadris sobravam da cadeira dura. Puxou o pano e acionou o pedal. Continuou a fala interrompida: -
O Robson sempre foi um bom marido. O que perde ele são as más
companhias e a bebida. Não que eu esteja reclamando, ele continua
sendo meu homem, bom pai, bom na cama. - Não se pode ter tudo. Eu olhei o sofá esgarçado, o Coração de Jesus iluminado, enfeitado com flores de plástico vermelhas. Engoli em seco. - Posso fumar? Não incomoda? -
Incomoda nada, dona, o meu Robson fuma que é uma chaminé.
Já reclamei demais agora desisti. Se tiver que morrer a gente
morre. Ninguém vai de véspera. Só peru. -
E mesmo que não fosse bom marido, ele me deu a coisa mais importante
do mundo: os três meninos. Olha ali, em cima da cômoda. - Agora já são homens... Ela parou a costura, virou outra vez para mim: - O Maicon, o mais lourinho, está na Marinha, sempre gostou de aventurar, vive no meio do mundo. O do meio é o Josildo, menino bom ta aí, fez segundo grau, é boy na empresa de ônibus daqui da região. O Robson sempre diz que ele vai longe. E vai mesmo se Nossa Senhora do Perpétuo Socorro ajudar. O Edílson, o menorzinho, não quis estudar, trabalha com o pai na marcenaria. Engravidou da Jovelina e me deu a única neta que eu tenho, a Taíssa. Olha aí bem ao lado, que fofa, coisa rica da avó. A voz se derreteu, olhei o retrato da menina, mulata de cachos cuidadosamente enrolados, olhos espertos, sorriso matreiro. - Todo mundo diz que parece comigo. Eu não acho tanto. - É verdade, parece sim - menti constrangida apagando o cigarro e sentando outra vez. Lá fora a noite caiu faz tempo. Pela janela eu via as estrelas e um pedaço de janela alheia iluminada. O cheiro de comida inundou a sala. - O Robson vai demorar ainda. Eu falei pra senhora. Não quer me adiantar o assunto? - Desculpe, é só com ele mesmo. Encolheu os ombros, colocou o fio na boca, enfiou de novo na agulha, recomeçou a sinfonia dos pedais. Eu não tinha fome, a pedra no meu estômago não deixava. Ficamos caladas durante muito tempo, ouvindo a vizinhança. Um menino gritou, outro riu alto, vozes ao longe se misturavam às cebolas e frituras. Vozes masculinas, femininas, infantis. Um cachorro latiu, outro respondeu. Eu tossi, peguei outro cigarro. Ela me olhou, abanou a cabeça, continuou a costurar calada. Quando a porta se abriu, avisou: - Olha ele aí. Meu Robson. O homem me olhou lívido, um pedido de socorro boiando indecente entre nós. Engoli o nojo e sorri: - Estava aqui esperando o senhor, conheci sua mulher, muito simpática. Ele respondeu, quase sem voz: - Me esperando? - Por causa daquele assunto do armário embutido. Aos poucos ele descobriu uma dignidade esfarrapada: - Ah, sei, o armário. - Mas ficou muito tarde - emendei rápido - melhor deixar pra outro dia. A mulher me olhou, havia ironia na sua voz, ironia de proprietária: - Que pena, a senhora esperou tanto... Não aceita um cafezinho pelo menos? Acenei que não, agradeci, engoli o não-dito, olhei uma última vez para o Coração de Jesus iluminado e para o sofá puído, estendi a mão, ela abriu a porta, eu sai. Lá fora a noite imensa. Menor que a dor e a humilhação. Menor que a vida. |
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