NOITE DE MESTRA
Andrea Natali
 
 

Bem que eu gostaria que a noite tivesse sido imensa. Estava um frio de rachar. O último jornal na televisão informava que a temperatura já estava nos sete graus e poderia cair ainda mais durante a madrugada. E, justamente no dia seguinte, eu apresentaria minha tese de mestrado.

Quase matei a orientadora. Ela marcou num sábado a defesa da tese de mestrado. Tudo porque ela fica em diversos congressos durante a semana! E os alunos é que se ferravam. As minhas aulas nunca foram aos sábados. Escolhi estudar durante a semana para ter os finais de semana livres, assim poderia estudar, viajar, dormir ou qualquer coisa que me viesse à cabeça. E o pior é que ela poderia ter deixado para a segunda-feira, mas o capricho da velha era maior.

Fiquei estudando até tarde. Era a última oportunidade de concluir meus estudos e pegar o título de mestra. Aquele friozinho, que chamava para debaixo das cobertas para uma longa noite de sono, só me provocava. Não adiantaria eu estudar na cama: com certeza dormiria. Tinha tomado uma sopa na janta e um copo de vinho para esquentar. Não deu para encher a lata – bem que eu queria –, tinha que dar aquela última revisada.

Eu sei que em momentos assim, o melhor é relaxar e descansar. Mas minha cabeça não descansava. Afinal, quando as coisas vão ficando mais sérias, era um mestrado, não dava para simplesmente relaxar.

O problema é que as noites são maiores no frio. Escurece mais cedo e amanhece mais tarde. Dependendo do dia, fica aquele ar sombrio. Levantar da cama, só com muito sacrifício. E eu com uma imensa vontade de ficar na cama. Ir ao banheiro era um martírio. Na minha casa, não tem água quente na torneira, então aquela coisa gelada, quase congelante quebrava as minhas mãos. Sim, porque nervosa do jeito que eu estava, toda hora tinha que ir ao banheiro.

Xinguei até a terceira geração da orientadora. Ai que frio! Eu não sou preguiçosa para sair de casa, mas o frio cortava. Nem três meias de lã esquentavam meus pés.

Por volta da uma da manhã, resolvi ir dormir. Estava virando um pingüim de tão gelada e por isso não consegui estudar. Tinha seis horas de sono. Não era o ideal para um sabadão, mas dava para descansar. Pensei na hora: “que estas seis horas se transformem numa noite imensa”.

Imensa? Quando o relógio despertou, parecia que eu tinha dormido duas horas. Nem meus pais, que levantam cedo, estavam de pé. Um frio danado. Mas lá fui eu. Grogue de sono, cheia de roupa – e ainda tinha que estar bem apresentável, não com cara de esquimó -, com a minha tese debaixo do braço para a minha prova de fogo.

Cruzei o campus da universidade sem ver uma alma viva. Até os gatinhos deixaram de passear pela grama. Pela milésima vez, eu repetia para mim mesma: ai que frio! Socorro! Vou morrer congelada! Na rua, os termômetros marcavam seis graus.

Apesar do frio, deu tudo certo. A orientadora se atrasou – até a banca já estava xingando a velha –, mas chegou a tempo. Pediu desculpas e disse que tinha perdido a hora – por causa do frio, dormiu até mais tarde, é claro. Bem que eu queria também. Defendi a tese, foi um sucesso, fui bastante elogiada, enfim saí feliz.

Saí da faculdade, passei na cafeteria, tomei um chocolate quente, pois estava muito, muito frio. Voltei para casa contente. Pois agora sim para uma noite imensa de sono.