MAIS UM DIA
Teresa Maria de Magalhães Araújo
 
 

"A esperança é um bom desjejum"(...)
- Francis Bacon


Catarina vivia desmisturada dos outros. A cidade onde morava era uma labareda, capaz de arrancar o ar dos pulmões e a vontade dos homens. Existência modorrenta com pequenos prazeres, tréguas do trelente cotidiano. Vida vã? Apenas o sentir dormente. Embuçado. O repetitivo automatismo casa-trabalho, trabalho-casa, banco, consertos. Livros, cinema e muito silêncio.

Grandes são os desertos e tudo é deserto.

Pela primeira, vez um amor. Denso. Tenso. Um moço de olhar fugidio, pele cheirando a mel. Hálito de hortelã. Ela escapava dos redundantes desafazeres, quando ele chegava. Sonhava diferente, ria diferente. Brilhava. Tinha seu quinhão de felicidade. Manoel, nome tão simples, abraçava-se a ele e tudo se transformava em música suave.

Casa ruidosa, flores no aparador. Arre!

Depois do torpor, o oco inefável. Parecia-lhe que nunca mais. Tenho que arrumar a mala de ser. Rastejava pela escuridez, sem força para recomeçar a lida dos dias comuns. Chronos devorando a juventude e a intrepidez da espera. Não vou conseguir me levantar, enfrentar o trânsito e as pessoas barulhentas. Tremia. Inverno, em outra desvez.

Todavia, o despertador tocava na manhã da segunda-feira. Já são seis horas, mas é noite ainda. Taquicardia, sudorese. Ligava o comutador. Roupas pelo chão, pilha de livros na cabeceira da cama, o telefone fora do gancho, cinzeiro repleto de tocos de cigarro. A bolsa tombada esparramara moedas, batom, cartões de crédito.

Com esforço, ia até o banheiro. No espelho, olheiras profundas. Esquálida. Em meus momentos escuros em que em mim não há ninguém.


Descarga, pia. Escova de dentes. A água tépida do chuveiro batendo no chão gelado enevoava a sala de banho, que operava milagres. Catarina desmorria na trajetória do prazer. Substância líquida e incolor, insípida e inodora, essencial para a vida da maior parte dos organismos vivos. Ahhhh! A espuma escorrida dos cabelos eram dedos sutis que lavavam as dores da noite. Viver é bom! Esfregava com a ponta da toalha o espelho embaçado, satisfeita com o que via. Há frescor, ainda.

Vou definitivamente arrumar a mala.

Rubro batom, salto alto. Transfigurada, saía sorrindo. No carro, o rádio tocava All right”.