ULTRAPASSADO
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José
Luís Nóbrega
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Enquanto
limpava com um pequeno pincel os tipos da velha máquina de
escrever, presente do pai quando do seu décimo segundo aniversário,
sentiu-se um tanto quanto velho, mais que ultrapassado... Na
mesa ao lado um computador 166. Lembrou-se então
da chegada do 266, do 566, depois vieram os
de 1 gigabyte, os de 2 gigas, e ele ali, em
frente ao velho e ultrapassado 166, isso pra não
falar da máquina de escrever que limpava. A
TV da sala já há muito também estava ultrapassada.
Ultrapassada pois não era uma daquelas tevês de plasma,
que mais parecem um quadro na parede, de tão fininhas que são.
Lembrou-se do tempo em que a TV não possuía controle
remoto. Assistia-se qualquer coisa, mesmo não gostando daquilo
que se via só por preguiça de se levantar, ir até
o aparelho de UHF e mudar de canal. Aparelho de UHF?! Que tempo?
pensou ele ao limpar o tipo da letra A da velha máquina
de escrever. A
poeira parecia ter tomado conta da alma daquela máquina. Uma
pincelada aqui, um assopro ali e lembranças de um tempo perdido
em recordações... Lembranças de um tempo em que
ele escrevia cartas de amor naquela Olivetti. Nada de e-mail, nada
de encontros marcados pelo celular. Olhou para o celular sobre a mesa.
Ele também estava ultrapassado. Não possuía câmera
digital, nada de MP3 (parece que já existe até MP4,
mas o que é mesmo um MP3? indagou-se depois de mais
um forte assopro na letra P). Um
olhar mais atento pela estante de livros empoeirados. Uma foto num
porta-retratos ultrapassado, moldura em madeira envernizada. A esposa,
ainda jovem, sorrindo. Sentiu uma imensa saudade da mulher que já
se fora. Tudo naquela casa estava ultrapassado, menos a saudade que
parecia não passar nunca... Duas mãozinhas encobrem seu olhar que ainda estava perdido na foto, e em lembranças de um passado distante. Um sonoro Adivinha vô, quem é? Antes que ele se vire para abraçar o neto, o menino entrelaça os braços no pescoço do avô que se levanta, e sai pelo quintal correndo com o netinho pendurado nas costas, dando saltos, num alegre galopar. Para o neto, feliz da vida naquele galope, a meninice do avô... não estava ultrapassada... |
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