O CÉU DE WASHINGTON
Eduardo Prearo
 
 

Estava proibido de ter mais amigos do que já tinha. Proibição divinal. Mas tudo bem, pensava Washington, não devo ter muito amor pra dar nem ser bonito. A maioria dos homens eram homófobos, viam-no como um gay ou então no mínimo como um inseto. Vivia na cidade, e algumas pessoas curtiam mostrar-lhe o nojo que sentiam por ele. Havia sempre uma vozinha interna lhe dizendo "você não tem higiene". Talvez fosse a voz da sua consciência; no entanto, ela não lhe dizia como fazer para ter higiene ou mais higiene. Mas ele não a tinha como inimiga: higienizava-se da maneira que sabia e depois nem dava bola pra ela, essa vozinha possessiva.

Não bastava se vestir de preto porque não havia dado certo em São Paulo, cidade bem dizer espécie de província disfarçada. Além do mais, vestir-se de preto diziam que não era bom. E se se vestisse coloridamente, destoaria do restante da populaça desconhecida que amava uma marcação cerrada com tipos nada trabalhadeiros como o dele. Ali as pessoas era rápidas, deveras espertas. Claro que simpáticas entre si nas suas cumplicidades, nas suas fofocas. Todavia, o fofoqueiro acabava sendo sempre ele, Washington Bolonha.

Os amigos? Uma ou duas, ou seja, do sexo feminino. Universalmente, talvez todos os que acordavam tarde eram bandidos-vagabundos. Se passasse das dez e meia e não saía de casa, ficava já na espreita, esperando que os homens viessem tirar satisfações, batendo na porta, armados. Era óbvio que tinha que abaixar a cabeça, pois a corrupção que existia no país era falsa assim como suas amigas pareciam também ser. A corrupção alegrava a populaça desconhecida. Se a corrupção fosse verdadeira, não existiriam homens no país, é claro.

Foi em uma noite de maio que Washington foi convidado pela amiga, Marinês, para sair. Mas a festa era chique, ou seja, para ricaços. Foram manducar cachorro quente após terem sido barrados com hostilidade por Galendra Lacustre, uma bem-nascida e poderosa, a qual os deuses deviam ter abençoado, pois muitos artistas a idolatravam. Imaginou a queda da Galendra Lacustre, mas foi se conformando conforme a noite ia avançando. Essa queda era algo impraticável, pelo menos nesta vida. As razões da tirana, "dulcíssima para com os dignos", ferveriam um oceano todo.

Após essa noite, Washington despediu-se de Marinês e passou por um albergue de pobres. Não aguentava o cheiro dos pobres, mas fumava. Voltou devagar para o lugar onde morava e como não tinha o que fazer, escreveu um soneto...um soneto intitulado Infeliz.

No apartamento ele fumava muito;
Que sem vergonha, vagabundo, mau!
Então parar era o maior intuito,
Mas não parava nem com força ou pau.

Perseguições da populaça ignota,
Das labaredas de um inferno exemplos,
Isolamento em uma estranha ilhota
Sem mar em volta, sem perdão, sem templos.

Ele acendia alguns incensos fortes,
Colava a cruz na própria testa, medo,
Um pecador com nem direito à morte.

Se era malandro, não sabia não;
Era insensível e beirava a surtos,
Era um até, sem a desforra, o pão.

Viu-se completamente só consigo mesmo. Pensou em Newton, o físico, pra quem o mundo acabará a partir de 2060. Não estarei vivo até lá, disse em voz alta. Devorou uma pêra, depois outra. Os jovens de 2060 serão mais simpáticos do que os jovens de hoje?, perguntou a si mesmo. Claro que não, nem ele mesmo era simpático, reclamavam da cara feia que por vezes ele fazia. Trancou-se no quarto e deu um alô para o futuro. Parecia viver em um deserto cheio de vultos.