DOR NA AVENIDA
Valéria Vanda de Xavier Nunes
 
 

Sábado de micarande. Largo da Estação Velha. Uma hora da tarde. O sol a pino, nem por um momento tira a alegria do povo. De todas as ruas adjacentes, mais gente vem chegando para se reunir à multidão já presente. A avenida fervilha ...de pessoas alegres.

No alto, o céu de cor muito azul brilha intensamente. Em baixo, a alegria é geral e contagiante. Bloco do Zé Pereira. Tudo é festa. Gente animada, colorida, pronta para enfrentar o grande corredor da folia e disposta a brincar e extravasar toda a sua alegria. Gente que vem apenas para observar os foliões, gente que também vem com a finalidade de tentar ganhar alguns “trocados” com a venda de água mineral, cerveja, comidas, aguardentes, souvenirs e outras coisas mais, que os ajudem a no fim do dia aumentar um pouco a sua renda e com isso tentar sobreviver. A multidão pula ao som dos trios-elétricos, acompanhando as modinhas de frevo. Como pernambucana que sou, não poderia ficar fora de um evento desta natureza. Estávamos participando desta brincadeira eu, meu marido, minha filha e meu genro. Todos muito alegres, vestidos a caráter, os homens com suas bebidas à mão e nós mulheres com nossas inseparáveis “sombrinhas coloridas” que nos ajudam a “marcar o passo” ao som dos frevos carnavalescos.

E lá vamos nós, pulando, dançando atrás do trio-elétrico, cantando os inesquecíveis frevos pernambucanos e também o hino do Zé Pereira.

Estávamos na metade do percurso do corredor da folia, quando percebemos que um folião - não muito jovem, como são a grande maioria dos foliões deste bloco - contorcia-se nas pontas dos pés, o corpo formando um arco para trás, e víamos que uma das suas mãos segurava o osso da coluna vertebral como se o estivesse colocando no lugar. Pensávamos que se tratava de mais um que tinha feito uso excessivo da velha aguardente - tão nossa conhecida - ou, que era o seu jeito de dançar e chamar a atenção das pessoas. De vez em quando, o perdíamos de vista devido à grande quantidade de foliões, mas, quando nos encontrávamos novamente, víamos que ele sempre estava nesta posição e que cada vez mais a sua curvatura ia se acentuando. Foi quando notei que ele não estava apenas alcoolizado, parecia também apresentar problemas de coluna e que não se agüentava mais de dor, no entanto, não queria deixar a avenida por nada. Então chamei meu marido e meu genro e pedi que o retirassem do meio da folia e providenciassem com a turma de “apoio do bloco” uma ambulância que o levasse para o hospital. Graças a Deus que a ação foi rápida e ele foi socorrido de imediato.

Confesso que este acontecimento tirou um pouco a minha alegria, no entanto, serviu para que praticássemos uma boa ação, mesmo estando nos divertindo em meio a uma grande folia; assim como serviu também, para percebermos como a maioria das pessoas não está preocupada com o seu semelhante, pois, fazia horas que aquele senhor estava passando por aquela situação e não é possível que só nós tenhamos percebido, e que ninguém além de nós tenha feito nada por ele.

Chego à conclusão com este fato de que nós precisamos ter mais amor ao próximo, procurar ajudar mais o outro, não olhar apenas para nossos “umbigos”, porém, olhar ao nosso redor, pois mesmo que nos encontremos numa avenida de alegria, a dor e a tristeza podem também se fazerem presentes e cabe a nós fazermos o que estiver ao nosso alcance para minimizar o sofrimento de alguém.