DIFERENÇAS
Jurandir Araguaia
 
 

- Dá logo aquela cachaça ali.

O homem ansiava por uma bebida para afogar as mágoas. O prestimoso taberneiro não podia deixar passar em branco:

- Aquilo não é cachaça é aguardente!

O outro, levantando as sobrancelhas, de cenho assustado, pergunta com os olhos:

- Como é?

- A diferença básica entre a aguardente de cana e a cachaça está na origem da matéria-prima. Enquanto a aguardente de cana é feita diretamente a partir do destilado da cana, a cachaça é feita a partir do melaço resultante da produção do açúcar de cana.

- E eu lá quero saber? Eu quero é beber.

O dono do estabelecimento, irritado pela falta de cultura, abre o precioso destilado e serve eu um pequeno copo limpo e cristalino. O líquido soa tranqüilo, vibrando ao bater no copo como o balar de sinos.

- E pensar que os antigos egípicios utilizavam uma bebida parecida para curar várias moléstias.

O cliente, sorvendo o primeiro gole quente, admira-se do saber do homem:

- Se cura doença não sei, mas desce queimando e dá um calor gostoso nas entranhas...

- “A água que desce queimando”, talvez daí tenha vindo o termo aguardente.

Já convicto do saber do erudito comerciante, o cliente começa a ceder, talvez sob o efeito beneplácito das primeiras gotas a picar-lhe as pelotas de sangue:

- Você sabe muito sobre essa bebida. Por que não escreve um livro?

O erudito fixa o olhar no cliente. Abaixa-se e apresenta um exemplar empoeirado de um pequeno livro: “Aguardente – Feitos e Efeitos”.

- É seu? O autor balança positivamente a cabeça. Quem diria, quem diria. Sorve o copo até o último gole. Deixa o dinheiro no balcão e segue satisfeito pelo mesmo caminho que o trouxe.

O escritor repousa o volume no lugar de origem. Pega o copo, lava-o e guarda na prateleira impecavelmente montada. Limpa o balcão e fica olhando o horizonte querendo estar em outro local, em outra vida, fazendo algo diferente ao invés de servir os incultos que não distinguem cachaça de aguardente...