MISTÉRIOS E RECALQUES
Eduardo Prearo
 
 

Recalcou o desejo de tocar alguém estranho que se oferecia. Pôs-se a andar pela noite. Pobre era pobre. Achou-se por segundos um ser impressivo por parecer bandido. Gritou um grito imaginado e deu certo. Entrou em um hotelzinho e foi logo para o chuveiro. Não quis mais sair daquela água quentíssima, mas depois de uma hora saiu. O quarto estava repleto de baratas, das pequenas, mas elas não virão até a cama, pensou, enganando-se. As baratas subiam, andavam pelos braços, peito, cabelos, etc. Assistiu mais um pouco a um desses canais para adultos e resolveu partir. Ainda não se achava um adulto mesmo beirando os cinquenta. Saiu dali e pelo caminho foi recalcando todas as tentações. Nessa idade o desejo já não era tão intenso como antes, na época dos colchões úmidos. Voltou para o muquifo onde morava após andar e andar. Pensou no amanhã, na vida de vagabundo, no múnus que jamais conseguira ter, ou seja, um múnus de que gostasse. Precisava de dinheiro, ou seja, do governante do mundo, precisava sair dali. Dormiu e quando acordou resolveu largar tudo, achou-se sem juízo, mas e daí? Desceu a serra velha ou do mar a pé. Garoava. Sabia que queria encontrar Prasanta Flores e se envergonhava disso. A emergente era tida como uma espécie de salvadora dos pobres. Quem sabe gostasse dele, quem sabe lhe desse uma colocação ou um mensalinho, coisa tão em voga e aplaudida pelo mundo todo. Passou por Cubatão e mesmo com toda aquela poluição, avistou uma aurora boreal. Diziam que os seres que habitavam o interior da Terra eram evoluídos. Chegou ao Guarujá com fome e sede. Entrou em um bar para pedir comida, um bar onde havia um imenso poster de um dinossauro. Amava os dinossauros. Negaram-lhe alimento, e ele ficou ali no balcão, parado, ouvindo Chorando se Foi, do Kaoma, até ser tocado como cachorro. Foi prear os pés na areia da praia e bebeu um litro de aguardente que comprara após ter vendido o corpo para um desses malandros de praia. De agora em diante era um desaparecido. Assistira ao Segredo e ficou de repente querendo ter um apartamento na avenida Venezuela. VOU TER UM APARTAMENTO NA AVENIDA VENEZUELA. Como o criticariam se soubessem disso. Adormeceu na praia e acordou em uma cama aconchegante. Uma mulher, parecida com Greta Garbo, entrou no imenso quarto e disse:

--- Bom dia, seu Murilo. Trouxe-lhe o café da manhã com a geléia de morango australiana que o senhor tanto gosta. Todavia, o caviar acabou, mas não precisa fazer essa cara, né?

--- Quem é você, onde estou?

--- Ah, esses atores...entram tanto na personagem que acabam enlouquecendo.

--- Nossa, como estou sarado. Saradíssimo.

--- Seu Murilo, olha o respeito!