VERÔNICA ERA QUASE COMPLETA
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Claudio Alecrim Costa
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Enchi a mão com a colônia favorita de Verônica, formando um diminuto mar que balouçava por entre os dedos e espalhei em meu rosto. Ante o espelho arrumei a camisa com proficiência. Estava feliz e mal podia esperar para reencontrar o amor de minha vida. Verônica era a mulher ideal. O sonho de todos os homens. Sua beleza discreta criava um saboroso mistério. Os cabelos, como seda, caiam sobre o rosto escondendo parcialmente um dos olhos. Misturava beleza e elegância na maneira como se vestia, usando sempre um vestido longo que cobria uma das pernas enquanto a outra ficava a mostra por um corte provocante no tecido. A mão, pousada no colo, imóvel, lembrava uma personagem de Auguste Renoir, aprumada e cheia de luz. Durante um mês, tempo que convivemos, Verônica guardou-se e resistiu às minhas investidas. Desta vez teria meu desejo saciado. Depois do jantar romântico que planejei com esmero, finalmente a mulher que tanto amava estaria em meus braços. Quando a encontrei, sob um céu cheio de pequenos diamantes, sempre com o seu vestido longo, meu coração fez uma breve pausa e senti que me aproximava da eternidade. Não podia esperar para ter Verônica junto de meu corpo, seus lábios de carmim e seu cheiro, naturalmente perfumado e suave como antúrio, áster, orquídea e toda as flores do mundo. - Verônica! - Afonso! - Vamos... - Estou nervosa... - E como acha que estou? Sinto-me como um adolescente... Ela sorriu e meu deu a mão fria pela ansiedade, sempre com classe e decoro. Depois do jantar fomos para um chalé que havia reservado num lugar paradisíaco e aparentemente abandonado, cercado por natureza selvagem que a noite só deixava ver pela silhueta sensual de morros e palmeiras sopradas pelo vento. - Afonso, gostaria de me preparar... - Uma surpresa? - Tenha um pouco de paciência... Depois de algum tempo, me chamou para entrar no quarto. Procurei disfarçar a pressa, embora me denunciasse a cada movimento. Foi com espanto que avistei a prótese de uma perna encostada na cama, iluminada pelo abajur. Na mesa de cabeceira, uma mão inanimada entre objetos comuns... - Tentei lhe falar... - São próteses? - Minha perna e minha mão... Já não era propriamente uma surpresa, mas uma inesperada revelação... - Tive medo que me rejeitasse... - Eu...Eu... Gaguejei. - Tem mais uma coisa... - O quê? - No lugar do seio direito eu tenho outra prótese... - Um seio me parece o suficiente... - Quando souber do meu olho... - O que tem seu olho? Decidida, afastou o cabelo e retirou o que parecia uma bola de vidro... - É descendente de piratas...? - Diga que ainda gosta de mim... - Um manual ajudaria... Com um movimento rápido, retirou os fartos cabelos como quem tira um chapéu, deixando ver um pálido reflexo de cabelo, preso com muitos grampos. Verônica havia sido reconstruída. Eu já não sabia para onde ir e o que falar. Diante da estripitise anatômica esperava a hora de que nada sobrasse daquela mulher. Era como um quebra-cabeça que só agora me via tentando montar. - O que é isso no copo? - Meus dentes inferiores... - Não é possível... - Você não gosta mais de mim... - Tenho que considerar todas as partes? - Só mais uma coisa... - Não me diga que seu nome é Rodolfo! - A pessoa que você conheceu não é uma prótese... - Não se pode esconder pernas, braços e olhos como uma fatura de cartão de crédito... Sentei ao lado de Verônica e olhei para o olho que restara. Havia ternura... - Gostaria de pedir uma coisa... - O que você quiser, Afonso... - Coloque a perna... É um velho fetiche! - Combinado! Sai do quarto e encontrei uma garrafa de aguardente esquecida num canto da cozinha. Enchi dois copos e me preparei para a nossa primeira noite. Afinal, precisávamos perder a consciência rapidamente. |