A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE
Zeca São Bernardo
 
 

Lá vem você de novo com está história! Nossa amizade onde fica? Ah, entendo, fica no lugar de sempre. Afinal somos quase irmãos, não somos?
Sabe, até certo ponto eu te entendo... é mesmo um tanto complicado, eu sei. E pelo que vejo você não vai deixar esta coisa pra lá, sabe como é, dar um tempo como a gente falava naqueles dias.

Naqueles dias! Cabe um palavrão aqui? Porra, se cabe, afinal eles também fazem parte da língua. Já pensou se daqui a alguns anos fazem outro acordo para uniformizar a língua portuguesa e algum maluco resolve que porra deve ser escrita só com um `r`? Tipo assim: a porra, fica `pora`mas com som de dois erres, porra.

Estou mudando de assunto outra vez, não é? Bom, se eu não te contar para quem é que eu vou falar uma coisa dessas? Se tinha dinheiro no meio? Claro, claro, é só mais uma pergunta das suas...não, não fiquei chateado com você! Pode acreditar, `podes crer`! Nossa essa gíria já era velha quando nós nascemos bicho.

Enfim, vá lá a verdade: tinha dinheiro no meio sim! Confesso e sem vergonha nenhuma.

O que mais que você quer saber? Mais detalhes? Você e os detalhes! Mas está bem, lá vão os detalhes: a primeira vez, a minha primeira vez, foi igual á de todo mundo! Hei, não faça essa cara de decepcionado, a vida é assim mesmo, um cruzamento torpe de verdades simples e o grande nosense de tudo só percebem aqueles distintos filósofos que escrevem aquelas frase de para choque de caminhão( alguém pode em dizer se para choque agora é sem hífen, notem bem, eu perguntei hífen e não hímen, essa história de vasculhar a intimidade alheia não é comigo não) , onde cada um procura a sua verdade, o seu caminho, o seu rumo, e o seu não sei mas o que e que na verdade pouco importa para os demais. Se tinha mais gente envolvida? Claro, minha mulher!

A coisa toda não teria acontecido sem ela. Não faça essa cara de idiota segurando esse risinho maroto, afinal você mesmo disse que somos quase irmãos.

Continuar? Claro, claro, você e sua eterna necessidade de detalhes.

Se fiquei ansioso? Como alguém pode não ficar ansioso, afinal, era minha primeira vez! E, agora posso, confesso que não tinha nem noção de por onde começar! Se por cima, se por baixo e já tinha ouvido falar até de gente que começa pelo meio. Mas, com o tempo cada um aprende onde fica o começo e onde fica o termino de tudo. Ou de quase tudo, não sei, ainda tenho problemas com os meios. Sim, os meios é que bem no meio sempre me falta um pouco de imaginação e esfrio um pouco.

Quer parar de rir da minha cara! Bom, foi assim: estava lá tudo pronto, você me conhece, não deixei faltar nada, cuidei de tudo em cada detalhe. Fechei as cortinas da sala do apartamento, liguei o rádio bem baixinho, ajustei a luz. Sentei e esperei, esperei e esperei muito.

Se quem demorou para chegar? Ora, essas coisas são assim, toda espera parece eterna. Mesmo quando se trata só de uns minutinhos. Já passou tanto tempo que nem lembro mais se fiquei esperando uma hora ou mais.

Por fim veio ou seria melhor dizer chegou? Estava lá, na minha frente, o tempo todo.

Sentei-me puxei a folha de papel em branco, destampei a caneta e as palavras foram se amontoando, se avolumando. Primeiro umas poucas tímidas, depois não consegui conte-las e enchi as páginas. Umas vinte escritas á mão, com aqueles velhos garranchos que teimo de chamar de letras. Depois de digitados não deram nem dez páginas! Dá para acreditar?

Esse foi meu primeiro conto, horrível, mal sabia eu que meu primeiro conto premiado seria escrito só um ano mais tarde e receberia sua láurea num concurso bem mais tarde.

Mas todo dia tentando escrever um pouquinho e lendo muito ajudaram a melhorar o vocabulário, a técnica e hoje até faço algumas brincadeirinhas com as palavras.

Que cara feia é essa? O que não era isso que você queria saber? Onde minha mulher e o dinheiro entram nisso tudo?

Ora, minha esposa é que me trouxe o regulamento do concurso. Rapaz, na `dureza`que me encontrava não dava para desperdiçar a chance de ganhar alguns trocos e o tal concurso pagava mil reais em dinheiro ao primeiro colocado.

Sabe, nunca ganhei esse concurso. Quase seis edições que encaminho meus textos e até agora nada.

Confesso-lhe uma coisa que você não perguntou, amigão, já faz muito tempo que não escrevo por dinheiro. Acho que foi uma dessas coisas certas que são feitas pelos motivos errados e que acabam revelando-nos facetas desconhecidas de nós mesmos. E, depois, não paramos mais!

O que? Não é nada disso que você quer saber? Não é dessa primeira vez e sim da outra?

Pô! Já não te disse que não gosto de vasculhar a intimidade alheia e que o mínimo do mínimo exijo que respeitem a minha?

Ah, agora você não é mais meu amigo? Esta bem, só não esquece de pagar a sua parte da conta daqui do botequim antes de ir embora!

Cara chato, enxerido...