NA RUA
Olga de Mello
 
 

Nos filmes sempre tem uma caixa, o homem - nunca é mulher, sempre é homem - esvazia uma montanha de gavetas e bota tudo np caixote de papelão. Na vida real, depois do choro no banheiro e dos olhares compungidos, não há gavetas a esvaziar, o que se deixa no escritório é o que nunca deveria ter saído de lá ou o que jamais poderia ter entrado. Fotos de filhos, plantinhas, coisa mais menininha, mulherzinha, quis trabalhar, agora agüenta.

Você é feia, linda, jovem, mal humorada, repeliu o chefe, não foi alvo de cantata alguma, envelheceu, casou, ficou solteira, teve filho, descasou, organizava as festas de aniversário da repartição, enviuvou, sustenta família, mas nunca será chefe de família a ponto de comover o patrão e ser poupada no corte. Nunca passou por isso antes? Já houve uma primeira vez, então, engole em seco, a sensação é a mesma em todas elas.

O vazio, o desconforto, o temor, a perda da identidade, toda aquela enxurrada de terminologia que encerra apenas a frustração por não conseguir permanecer em segurança. Sua culpa é seguir o mundo, fingir que trabalha por ideal, que escolheu sua profissão, escolheu sua independência. Veste a couraça, sobe no salto alto e segura o tranco da pancada no peito ao ouvir "vamos ter que dispensar você".

O que seria empilhado na caixa de papelão do filme americano vai caber na sacola plástica de uma boa loja de griffe que a colega que manteve o emprego arranjou. Ao menos não é sacola de supermercado. Na rua ninguém identificará o desespero, a desesperança, a nova queda.