SER HUMANO COMPLETO
Eduardo Prearo
 
 

Antero crê que irão culpá-lo porque ele sente culpa. As sutis incriminações, as contrariedades, proliferam-se como bactérias a cada palavra dele. Portanto, começou a escrever em um diário em vez de falar com quem quer que seja. Os dramas que a desconfiança alheia geram são insuportáveis. O que a populaça desconhecida verbaliza ele geralmente está pensando. Portanto, crê ser um medíocre, crê ser menos forte do que a maioria. Mas em algum momento do ano haverá uma espécie de exorcismo zerando os ponteiros, e após esse exorcismo certamente que as pessoas o tratarão de outra forma; não com a hostilidade de agora, o que talvez seja alucinação, porém com uma inocência complexa, com uma razão axiomática e dura.

Antero crê que os homens gostem de brincar com a sua insanidade, e tem dificuldades em se ver como um idiota. Os espertos o odeiam. Se ele fosse um esperto talvez não vivesse no seu justo país: iria viver em Londres, apesar de que quando ouve Os Beatles invoca frustrações. E conquistaria alguém apenas labializando um I love you. Mas o mundo não é dele, e as pessoas evoluem, mormente financeiramente.

Subir os degraus da terapia é um processo que exige esforço. A primeira vez que foi a um psicólogo foi também a última, pelo menos por uns quatro anos. E hoje ele é um nada, será por isso? Freud, pelo visto, valia alguma coisa, era religioso. Ele não, não vale nada, não sabe competir, pegar pesado. É, enfim, um zero à esquerda em tudo. Mas eu também era assim; eu, que me chamo Flávio Duarte da Costa Ribeiro Silva, genuinamente brasileiro, e que tive alta da terapia, ontem. Foram mais de trinta anos de análise. Agora talvez eu seja um ser humano completo.