NAVALHA NA NOSSA CARNE
Doca Ramos Mello
 
 
Já falei com meu companheiro Geninho da Catunda e abri minha preocupação, sei não, essas coisas que a polícia federal anda escarafunchando por aí ainda vão dar problemas p’ra nós aqui, em Santa Maria Madalena dos Pecados, a cidade é pequena e tudo, mas tem sempre algum FDP p’ra colocar areia na vida gente. Eu tenho p’ra mim que Anacleto, louquinho como está para se dar bem na política e até já fala como candidato, pode muito bem botar lenha na fogueira e daí, vai sobrar p’ra nós.

Geninho é sossegado, acha que tem tanta maracutaia em Brasília, no Nordeste, nas cidades grandes, nos governos estaduais, que ele aposta como ninguém vem xeretar aqui, não, um lugar desses escondido do resto deste Brasil, uma gentinha rastaqüera que ninguém sabe nem mesmo onde mora, o que faz, Santa Madalena é o c... do Judas, tinha graça isso? Mas, eu fico receoso porque nós, o Geninho e eu, também temos nosso Zuleido particular, se bem que um Zuleido nada Charles Bronson e menos esperto, claro, porém todo mundo tem ou nem vereadores como nós ou peixe grande como o doutor Renan Calheiros ia conseguir sobreviver na selva da política, eu é que sei. Acho uma antipatia isso de ficar falando em mensalão, sanguessuga, máfia disso, máfia daquilo, quando nada é verdade!

Não é verdade, não! Fosse, e os suspeitos não estariam por aí dando risada, bem vestidos, reeleitos, em bons cargos, flanando na boa... A lista vai de Genoino a Palocci, de Waldomiro a Zé Dirceu, de A a Z, não escapa ninguém e todo mundo está levando a vida, é o estilo nacional, este Brasil é abençoado! Acho que ninguém liga muito porque todo dia tem novidades, prendem cem, duzentos, depois soltam duzentos e cinqüenta, enfim, é um baile democrático e quem é suspeito hoje, faz sucesso amanhã e babau. Taí o Arrruda, taí o Waldemar, taí o mundo, pô!

Vocês não viram que o ministro Rodô até pediu demissão, coitado, só para não atrapalhar o governo? Então. O cara é inocente, não tem nada demais em ganhar, se é que ele ganhou mesmo, a essas alturas já estou até duvidando, cem paus, gente, o que são cem mil reais? Ora, ora, ora, até parece que vocês não ouviram V. Exa. Metalurgíssima dizer que todo ministro é um herói porque recebe um salário de cocô, desculpem aí a indelicadeza, mas é isso mesmo, sacrifício, sacrifício. Nós, vereadores, também ganhamos o que Luzia ganhou atrás da horta, se a gente não faz algumas tramoinhas aqui e ali, fica devendo o cheque especial, olha o vexame, uma autoridade dever para o banco... Foi pensando nisso que Geninho e eu montamos uma empreiteira, com o cuidado de colocar no nome do Manoel Silviano, que nunca assentou um único tijolo nem sabe fazer massa, aquilo não serve p’ra nada, prestamos um grande favor a ele porque pagamos sempre uma comissãozinha, que ele torra no bar e com putas, mas o que a gente precisava era só do nome dele, ele deu e pronto. Aqui quase não tem obra grande, então nós inventamos viadutos, estradas, pontes, nada liga coisa com coisa, mas o dinheiro é razoável – não é uma baba como a de Brasília, mas a gente se vira.

Querem saber?

O Brasil perde é tempo com essa coisa de querer moralizar, porque não moraliza mesmo. A gente faria melhor se exportasse esse nosso jeitinho, taí, esse nosso jabaculê político, para ensinar estrangeiro a crescer na vida e de quebra, diminuir a pobreza – Geninho e eu não podemos nos queixar, estamos montados. Por mim, o negócio era abrir o jogo de vez e transformar o Brasil naquilo que ele até já é, mas muitos fingem que não, ora, pois somos uma grande quadrilha mesmo, passamos rasteira em deus e no diabo, não tem p’ra ninguém. O que é isso senão uma coisa que os americanos chamam de nôurrau? Então a gente está deixando esse nôurrau escorrer pelo ralo, abrir o negócio para o mundo e cobrar o ensinamento seria muito mais lucrativo. É só pegar o PCC, a Sofisticada Organização Criminosa, o Lalau, os Mensaleiros, o Marcos Valério, o Duda, o Maluf, os Sanguessugas, essa mais recente novidade, a Máfia das Obras, e tantos outros menos notórios, mas em ação, botar uma razão social de fachada e fazer do Brasil uma grande escola de gatunagem – é assim que é e não vamos disfarçar nem espernear à toa. Sei que é a primeira vez que alguém lança esta idéia, o normal é todo mundo ficar falando ah, que indecência, ah, quanta corrupção, etc., etc., sem sair do lugar. Eu sou partidário de pegar o limão e fazer uma limonada, então se assim é, vamos faturar esse tal nôurrau e vender nossos esquemas, pô!

Sem contar o fator inocência. Só no Brasil a gente tem quadrilha inocente, meus caros.

Geninho e eu mesmo. A gente só se candidatou depois de uns escândalos pequenos, coisa simplória, mas estamos em Santa Madalena, não se pode dar o passo maior que a perna, pois fomos procurados por vários partidos, ficamos com um manda-chuva de porte e aí está: a vereança é nossa, Geninho já cotado para presidente da Câmara, quero dizer, ele primeiro, depois eu, a gente é bem combinado. Deus sabe que vamos fazer ainda dobradinha para prefeito e vice, Geninho é afinado comigo, não tem chabu, mas por enquanto estamos na moita porque sempre é bom fazer uns tratos, primeiro.

E querem saber mais? Esse negócio de navalha podem crer que não tem fio e a justiça vai mostrar isso outra vez, como sempre. Justiça é bom, heim?