IMENSIDÃO
Beto Muniz
 
 

Eu queria começar esse texto dizendo que estou sentindo falta dos homens da minha vida. Mas isso poderia suscitar pensamentos maliciosos no meu leitor. Não tenho nada que dar satisfações das minhas carências, mas também não posso simplesmente deixar que abandonem a leitura no primeiro parágrafo pensando que eu estou saindo do armário. Claro que nem estou dentro de armário algum e espero que não estejam ávidos por revelações que nem existem... quer saber?

Estou sim, sentindo falta de vários homens em minha vida.

Minha filha, sete anos, tem aulas de natação todas às semanas. Dia desses estava ajudando-a no ritual de vestir maiô, touca, óculos, pegar toalha, roupão, chinelo e etc quando ela quis saber se eu tivera aulas de natação quando menino. Respondi que não. Sem pensar.

Depois pensei que tivera sim, uma aula apenas. Meu avô paterno percebeu meu receio em entrar nas águas barrentas do córrego e disse que bastaria eu engolir um lambari vivo, que eu nadaria feito o peixe. Pegamos um pobrezinho e não lembro de ter feito caretas enquanto eu o engolia, sem mastigar. Nem bem fechei a boca já fui atirado por meu avô no lado fundo do córrego. Ele era um homem enorme, forte, e falava grosso, rouco. No meio do espanto ouvi ele rugir que eu deveria bater braços e pernas. Não sei se foi por necessidade ou por medo de desobedecer a ordem. Sei que após engolir alguns goles de água eu me vi chegando na margem salvadora. Procurei meu avô e ele não estava onde eu pensei que estaria, levei o maior susto quando percebi que ele estava dentro d'água e compreendi que entrara, completamente vestido, para me salvar caso eu não conseguisse nadar. Eu consegui. Nunca mais parei.

As lições eram assim, às vezes rudes, noutras não. Meu pai me ensinou a jamais maltratar um animal doméstico. Meu tio ensinou a empinar pipas e outro tio, este materno, teve paciência para me ensinar a desenhar e depois a conquistar meninas com minhas habilidades artísticas. Foi meu avô também quem me disse para nunca levar desaforos para casa, mas numa briga jamais bater em quem estivesse caído. Foram homens de grande importância em minha vida, e eram assim, unidos, todos juntos protegendo suas crianças. Uns mais sisudos, feito meu pai, outros mais moleques, feito o tio materno, ou mesmo meu avô, que era um misto de todos eles. Cada qual me proporcionou uma estréia na vida, um primeiro passo rumo a me tornar o homem que sou. Foi com meu avô que aprendi a dizer adeus para sempre, depois, um a um, todos se foram e eu sinto saudades.

Herdei traços físicos e de personalidade. Herdei também a obrigação de indicar o bom caminho aos meus filhos, a minha filha, aos sobrinhos. Sinto-me responsável em transmitir tudo que aprendi com os homens de minha vida. Sinto-me guardião de cada criança da família e, muitas vezes, tenho a impressão que estou parecido com o meu avô. Devo reconhecer que tenho muito mais que gostaria do jeitão do meu pai.

Sou agora um homem feito, meu filho é um homem!, poderia dizer que já tenho idade para ser avô. Porém, a verdade é que eu sou apenas o filho mais velho, o tio mais velho, o pai.... É assustador para quem se sente tão só com inúmeras perguntas ainda não respondidas. Mais do que nunca, sinto falta de meu pai, do meu avô, ou um de meus tios. Sinto falta de pelo menos um desses homens ao meu lado. Era isso, só isso que eu queria dizer, leitor. E creia-me, é muito difícil dizer tudo isso.