LÁGRIMAS DE CROCODILO
Tatiana Alves
 
 

Solitário...

Pretensamente feroz, o suficiente para repelir os medrosos, e ocultar sua real fragilidade. Seu sonho inconfesso, na verdade, sempre fora o de habitar o mais profundo dos rios, surgindo de forma magistral e sorrateira, não tanto para tomar a presa de assalto, mas para escapar de seus próprios monstros e algozes.
Tido como dissimulado, chegava mesmo a constituir um exemplo de falsidade, mas ninguém jamais saberia o que se passava por dentro daquele ser que não possuía língua, fadado ao silencioso lamento daqueles impedidos de carpir suas mazelas.

De fato, ninguém jamais conheceria verdadeiramente o conteúdo daquela alma aprisionada por detrás de olhos revestidos por uma membrana transparente, véu sob o qual as lágrimas mais amargas soavam como falsas, apesar de virem em caudalosa profusão, a que nem o mais denso rio seria capaz de se igualar. Não podia fugir à natureza, mas a consciência acerca de sua sina fazia dele um monstro-pranto, incompreendido e calado.

Seguia, imponente, brandindo com a cauda as agruras impostas pela vida. Réptil e melancólico, assustador e infeliz. Adentrava lentamente o rio em busca de refúgio, e quem o mirasse naquele momento julgaria ver nele um sorriso cruel. Jamais entenderiam as forças noturnas e instintivas daquele ser que supostamente teria engolido o sol, trazendo ao mundo as trevas da noite eterna. Ignoravam, decerto, que a mesma natureza réptil que lhe conferira a película ocular não o impedira de reconhecer a rastejante condição. E, como um Narciso às avessas, não foi a escuridão da noite o que enxergou ao se mirar no cruel espelho d’água. Não fora impedido de ver, e não poderia tampouco cerrar os olhos diante da visão medonha captada por retinas até então não fatigadas. Não dormia de olhos abertos, como se pensava. Fora tomado pelo mais absoluto asco pela própria aparência, e o ser que outrora devorara o sol desejava agora jamais lhe ter visto a luz. Talvez a saída estivesse em devorar também a lua, sepultando definitivamente um mundo que lhe negava a soberania das águas e ousava julgar-lhe o pranto.