PROSÓDIA
OU PROSOPOPÉIA?
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Mariana
Monteiro
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Desde o dia em que o filho nasceu, numa alegre manhã de abril, Dona Esmeralda soube que aquela criança não seria como as outras. Foi no momento em que a enfermeira o acomodou pela primeira vez no colo da orgulhosa mamãe. Havia algo de estranho naquele olhar que, penetrante, parecia rir-se dela. Comentou com o marido e foi logo reprimida, vê se pode, o menino acabou de nascer, nem sabe o que está acontecendo e você me fala uma asneira dessas. Deixou para lá. Primeiro filho homem depois de uma escadinha de meninas, o pai estava finalmente realizado. Iria se chamar Edílio, Edílio Neto, em homenagem ao avô. Precoce, aos nove meses Edílio Neto - nada de Edilinho, proibia o pai, que é para não desmerecer o nome já dava os primeiros passos e balbuciava as primeiras palavras. Aos dez meses já possuía um vocabulário de duzentas palavras, contadas uma a uma pelo orgulhoso Seu Edílio, respeitado professor de português do único colégio da cidade e redondezas. Falava o básico, papai, mamãe, xixi, cocô, tudo certinho, sem apelidos do tipo papá, pipi, popô, que o pai dizia que era coisa de criança mal educada, um filho de professor não poderia iniciar a vida já falando errado. Sabia também palavras mais complexas, a alegria de Seu Edílio: supermercado, preciosidade, mussarela. Mas o tempo tratou de, rapidamente, provar que Dona Esmeralda tinha razão, aquele bebê era mesmo diferente. O martírio daquela família havia iniciado e Edílio Neto aprendera a pronunciar a palavra frustração, de uso agora freqüente pelo pai. Dona Esmeralda já não sabia o que fazer, passava as tardes tentando, tentando, enquanto preparava o jantar, as irmãs ajudando, enquanto lavava a roupa. Em vão. Edílio Neto não falava o próprio nome. O pai voltava do trabalho no finalzinho da tarde e tentava, inutilmente, receber a resposta certa para a pergunta: - Meu filho, qual seu nome? Fala para o seu pai, fala. - Dilo! Falava o menino. Saía correndo e rindo, o barulho das sandálias Ortopé o acompanhando pela sala até o jardim. Voltava um tempo depois e conversava com o pai como se nada houvesse acontecido. Liam juntos, Seu Edílio feliz com os progressos, apesar daquela tristeza reprimida. A coisa piorou quando Edílio Neto completou seis anos e começou a freqüentar o colégio. Era o melhor aluno da turma, só nota dez, mas não falava nem escrevia o próprio nome, para desespero de Seu Edílio: - Edílio, meu filho, diz o seu nome, vou ficar tão feliz, eu sei que você sabe. - Dilo! Foi assim aos seis, sete, oito anos de idade. A coisa ficou séria mesmo quando um dia, no meio da aula de português de Seu Edílio, Zezinho interrompeu a explicação sobre os ditongos, tritongos e hiatos: - Professor Dilo, meia é ditongo ou tritongo? Seu Edílio, de tão transtornado, nem explicou a dúvida, até bem elaborada. Ficou cego e surdo ao ouvir aquele Professor Dilo. Zezinho, aluno nota dez, tirou zero e foi parar na diretoria sem entender nada. Naquela época Edílio Neto ainda cursava a primeira série, mas já era conhecido como Dilo. Nada mais justo que o pai também fosse Dilo, respeitosamente Professor Dilo. Zezinho não teve maldade, mas Seu Edílio, coitado, os nervos à flor da pele, não conseguiu não ver maldade no novo apelido. Em casa anunciou. No dia seguinte, após as aulas, Edílio Neto iniciaria as consultas com a fonoaudióloga, pois assim não poderia ficar. Esse menino errando o próprio nome, como pode uma coisa dessas, haveria de ter uma solução, confiava Seu Edílio. Dois dias se passaram e a fonoaudióloga foi ter com o professor. - Tenho uma ótima notícia para o senhor. Seu filho não tem problema nenhum, fez todos os exercícios, pelo contrário, é o melhor que já vi, não erra uma. - Então, doutora, ele conseguiu falar o nome dele? Que alívio, não sabia mais o que fazer. - Ah, Seu Edílio, isso não, acho que o problema não está nele, está no nome, ele definitivamente não gosta do nome. Aquilo foi uma pedrada no coração de Seu Edílio. O que seria feito da tradição familiar? Foram dias difíceis, ninguém via ou ouvia Seu Edílio, trancado no quarto. Só abria a porta para receber as refeições. Ao fim de uma semana ele finalmente deixou o refúgio e foi conversar com o filho, explicou que o amava muito para criar caso por conta de um nome, se era aquilo mesmo, que escolhesse o próprio nome e fosse feliz. Edílio Neto, o Dilo, não teve dúvidas. Lembrou-se do trava-língua preferido, repetido nas consultas com Dona Tereza, a fonoaudióloga: É crocogrilo? É cocodrilo? É cocrodilo? É cocodilho? É corcodilho? É crocrodilo? É crocrodilho? É corcrodilo? É cocordilo? É jacaré? Será que ninguém acerta o nome do crocodilo mané?. - Meu nome é Dilo, Crocodilo! E deu um abraço agradecido no atônito Seu Edílio. Ou seria Professor Crocodilo? |
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