O
DIA DA CAÇA
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Beto
Muniz
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Juvenal chegou antes da primeira novela. Sua esposa só chegaria por volta das onze, meia-noite. A casa estava envolta em silêncio e sombras. Deduziu que a babá e seu filho de três anos ainda brincavam no playground do condomínio. Antes de acender a luz, descobriu que não estavam no parquinho. A mulher estava sentada na penumbra com os olhos fechados e a mão direita ensangüentada. Aos seus pés, o corpo miúdo do garoto parecia uma trouxa de roupa suja no carpete. Juvenal, estatura de guerra, corpo de luta, num salto felino se apoderou do filho. Tentou, inutilmente, tapar o buraco feito no peito do menino. O tato, sentindo a carne fria e inerte em seus braços, não permitiu que ele raciocinasse, apenas fez surgir lá no fundo do peito uma dor que ia se agigantando, dobrando de tamanho e rompendo as fibras do coração. Quando conseguiu pensar em hospital, veio-lhe à mente que era tarde demais. O socorro era inútil. Soltou o corpo, que caiu inerte sobre a poça de sangue. A cabeça bateu no piso fazendo um barulho oco. Barulho vazio de vida. Ajoelhado ainda, aos pés da babá, Juvenal encarou a culpada por sua dor. Ela havia matado seu filho! A dor transformou-se em fúria e o homem agarrou-a pelo pescoço. Uma cortina de sangue ocultou a razão num cômodo escuro e o animal suplantou o humano. Vingança! A mulher não reagiu, não gemeu e nem estrebuchou quando lhe faltou ar. Seus olhos permaneciam impassíveis diante da morte e tamanha serenidade fez brotar luz no cérebro embotado do homem: "qual a razão?". Suas mãos afrouxaram e a mulher voltou a respirar. Juvenal, o pai, soltou um gemido que expressava toda sua incredulidade: - Por que? A babá, uma lágrina rolando pelo rosto gordo, sem seimportar com o próprio destino respondeu num misto de crueldade, conformismo e vingança: - Filho por filho. Você matou o meu, eu matei o seu. Cinco meses antes, homens da lei mataram um adolescente na favela do Russo. Vinte dias atrás, Juvenal, o policial, precisou de alguém para pajear o filho. Oito candidatas se apresentaram e Dona Adélia lhe pareceu a mais apropriada. Não era. Mas enganou o caçador. |
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