DEVIA TER OUVIDO A MÚSICA
Bárbara Helena
 
 

"Never smile to a crocodile
Cause you can never get friend
with a crocodile"


Nesta minha profissão de personal auto-ajudante, tenho vivido as coisas mais estranhas. Nenhuma como o caso do Crocodilo. Todos sabem que os ricos não tem tempo de se auto-ajudar, então contratam outros para esta tarefa. Eu sou um deles.

Naquela semana fui retirado às pressas de minhas férias pagas no Caribe para atender a um cliente especial da agencia. Um mega milionário oriental com problema esquisito de depressão. Estava apaixonado por um crocodilo e acabara de levar um fora. Claro que não se tratava de um lagartinho qualquer, mas de uma Alligathor fêmea master plus do planeta Bios, onde os seres humanos foram os únicos a não sobreviver.

Encontrei o cliente desabado numa poltrona, enquanto videofonava alucinadamente para os seus empregados em toda a galáxia. Ele me fez um sinal, pediu que chorasse um pouco e ouvisse uns blues previamente selecionados. Fiz isto e o pobre pareceu aliviado. Deu até uma pausa nos trabalhos e me indicou uma porta que se abriu mostrando a varanda debruçada sobre o mar e a imensa piscina azulada. Nela um pequeno réptil nadava.

Ele fechou a porta e me deixou com a ex-noiva.

A fêmea saiu da água e pude ver que não era muito grande, deveria ter um metro e sessenta no máximo. Olhou para mim, as pupilas esverdeadas eram meigas sob os cílios longos. Tive uma ligeira vertigem com aquela mirada e ela sorriu para mim. Devo admitir que foi um sorriso bastante sedutor e entendi um pouco a paixão do meu cliente.

Mas logo lembrei da minha posição e de uma canção infantil que advertia; "nunca sorria para um crocodilo".

Não sabia como iniciar a conversação, então fui no óbvio. Ativando o tradutor universal, perguntei se ela já lera algum livro de meu mestre Paulo Coelho III. Ela sorriu de novo e desligou o tradutor:

-Todos falam português em Bios, justamente para ler o Sr Coelho.

Fiquei feliz e vi que ia ser mais fácil do que esperava. Com tamanha afinidade, logo estávamos nadando juntos na piscina tépida.

A verdade é que me apaixonei pela Alli e foi a primeira idiotice de uma lista. Deixando de lado a prudência e confiando na vida atribulado do Sr Lo, passei a desfrutar das delícias de um romance extra-racial, coisa que poucos no planeta puderam viver.

Foram dias maravilhosos e paguei cada centavo deles.

Pois o miserável terceiro mordomo nos traiu. Fomos apanhados em relacionamento bíblico, numa bela tarde de outono, bem diante da piscina e de uma fila de empregados curiosos. O mais curioso era o próprio Sr Lo, que de amarelo ficara laranja, na vermelhidão da raiva.

A falsa da Alli correu para os braços dele gritando que eu a violentara e além de apanhar dos capangas, tive que assistir a uma asquerosa cena de reconciliação entre os dois.

A desculpa de que fora tudo um plano para aproximá-los não colou. Nem com o Sr Lo nem com o Sindicato de Auto-ajudantes onde minha licença está por um fio. O casamento dos dois vai ser em janeiro e eu continuo na geladeira, com salário mínimo.

A verdade é que eu devia ter escutado a maldita música.