LÁGRIMAS DE CROCODILO
Antonio Carlos Vellasques
 
 

Bastou uma visitinha ao dicionário para saber que crocodilo é um réptil. Pfui! Que o bicho é da família dos crocodilianos, e que é primo do jacaré, do aligator e do gavial. Gavial? Pfui, e daí?

Um dia eu estava naquele trenzinho que existe dentro do aeroporto de Orlando, na Flórida. Como sempre, estava complemente perdido. Já havia entrado e saído do trenzinho, que eles simpaticamente chamam de shuttle, quando sem mais nem menos um velhinho começou a puxar conversa comigo. Acho que tenho cara de americano.

Mesmo sem entender uma única palavra do que o sujeito estava falando, eu me limitava a fazer carinha de inteligente e a balançar estupidamente a cabeça; o cara falava mais que o homem da cobra. Em dado momento de nossa “conversa”, o dito cujo bateu na canela com a ponta de uma bengala e disse:

- Aligator!

Bolas, eu nunca havia estado perto de alguém que tivesse sido refeição de jacaré. Ou aligator, que para mim ainda é a mesma coisa. Fiquei em pânico, sabe-se lá o que se passa na cabeça dos americanos, ainda mais na cabeça de um cara com perna de pau! Saí de fininho.

O duro a meu ver não é levar vida de crocodilo, nem de jacaré. O duro é o preconceito. O pobre animal não pode nem dar uma dentadinha numa piranha que já vêm algum ecologista de rabo-de-cavalo afirmando que o planeta está em extinção, que será necessário criar mais uma ONG para proteger as indefesas piranhas. O contrário pode, sim. Não entendo por que todo ecologista tem que ter rabo-de-cavalo.

Ninguém acredita na sinceridade do indefeso jacaré. A fama de insincero deve ter começado certamente quando os portugueses chegaram ao Brasil. Desacostumados com os perigos da selva, os patrícios eram vítimas constantes dos silvícolas e dos animais, principalmente porque exalavam sempre um odor característico de bacalhau. Imagino eu, é claro. E entre um petisco e outro, o duro era o nobre réptil ter de aturar na barriga um português de botas e tudo. Como não chorar? Vai daí que ao ser abatido, ainda chorando, o pobre jacaré tinha o ventre estripado, de onde era retirado o que sobrou da vítima. E mesmo sendo revirado, reza a lenda que o pobre animal não deixava de chorar. É que estava certo de seu funesto destino: substituto de bacalhau. Com bastante cebola.