TEMPOS
MODERNOS
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Flavio
Luengo Gimenez
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Quem
disse mesmo aquilo? Alguém teve medo e abriu a janela de sopetão.
Embaixo um cão morria de frio e uma criança arrastava
as pernas cansadas depois de passar o dia tentando catar migalhas no
lixo.Minha vizinha deu um suspiro e caiu morta de sono, pois já
passava das três.O prédio em frente tem uma moça
pendurada na janela que de vez em quando ergue os olhos para mim e sorri
um sorriso triste, pois perdeu o emprego e está pensando que
é jovem, que deveria voltar para a casa dos seus pais, mas não
volta porque já morreram e seu irmão não aceitaria
sua nova profissão.Ao lado um velho com o cachimbo passa horas
ouvindo uma música que lhe recorda os dias passados e ele já
se desliga se preparando para o inevitável desfecho de sua vida
de ex-combatente que nunca viu a cor dos olhos de seus filhos depois
que sua mulher fugiu com um coronel do inimigo, lá para os lados
da Alemanha e nunca mais mandou notícias.Eu não penso,
só reparo na janela que ao meu lado fervilha, com vários
adolescentes rindo e jogando bitucas de cigarro e algo mais que cai
embaixo e faz barulho de vidro estilhaçado, não, é
a janela que se fechou e ouço um merda! pois alguém
machucou a mão e ouço um choro ou melhor um gozo ,o casal
de cima resolveu pela terceira vez nesta noite colocar a vida sexual
em dia.Eu não reclamo, penso nos dias que passaram e que passam
e sinto a vida se esvair como um fio de água de um rio há
muito represado, com suas lontras, suas curvas, suas pedras e seus peixes
e penso que talvez nunca mais mesmo o rio passe de novo aqui nesta cidade,
onde todos estão tão quietos, tão mansos que todos
devíamos estar do outro lado do muro, mas só porque pensamos
que estamos vivos e amamos o transitório, estamos sós.Irremediavelmente
sós.
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