Meu amigo Doutor Paulo Vicentini é um daqueles homens que lembra de tudo, com todos os detalhes. Ele foi professor de história, hoje advogado entre os bons criminalistas de Sampa. Eu, que tenho o privilégio de ser seu companheiro na vida profissional, me deleito com sua Memória Privilegiada. E vejo, agora, com esse sugestivo tema, uma forma de homenageá-lo. É comum, no dia a dia, ouvi-lo falar: Ah, esse acórdão foi o de número tal, cujo relator foi o Dr. Fulano de Tal. Outro dia, tinhamos que conseguir com rapidez um certidão num determinado cartório, e estava difícil. O Dr. Paulo ia passando e parou:

- Tá tudo bem? – indagou com sua voz rouca

- Tudo mais ou menos.

- Mais ou menos por quê?

- É que a certidão vai levar cinco dias...

- Cinco dias??? ... É o Caralho! – Exclamou de uma forma que só ele. Será que a gente conversando, num consegue antecipar?

- Já conversei com o rapaz...É aquele magrinho alí...

- Eu conheço... É o Geléia...

- Como?

- Aquele cara é o Geléia... Vou falar com ele.

Me entregou sua pasta preta e o indefectível vade mecum que sempre carrega sob os braços, pegou o protocolo e entrou no Cartório.

- Bom dia.. É seu Mario? Mário Feitosa de Castro Lima?

- Pois não...

- Você num lembra de mim?

- ?????????

- Do Colégio da Freiras, lá de Avaré... Paulinho... Você não é o Geléia? Sua mãe fazia pastel...

- Nera você que lutava box?

- Isso mesmo. Puxa, quanto tempo, né?

- Como vão seus irmãos?

- E você...?

- Eu casei. Quer dizer; Tô casado... Você sabe. Lembra do Zelão? Ele lutava box também.

- Lembro... Com ele?

- Pois é. – aproximou-se mais e perguntou: Alguma coisa aqui?

- É. É sobre um certidão... Mas são cinco dias, né?

- Daqui o protocolo... Peraí...

Pegou o papel e entrou para a parte interna do Cartório. Demorou pouco mais que quinze minutos e retornou com um sorriso feliz.

- Consegui. .. Mas não vá comentar com ninguém que foi fácil assim. Nem em Avaré, viu, mocinho!

- Pode deixar. Muito obrigado, Mário. Te devo essa.

- Não fale assim que eu cobro, viu?

Apertaram as mãos e Geléia voltou para dentro do balcão andando rebolativo. Até hoje tenho dúvida se o favor foi cobrado. Esse foi somente um dos inúmeros problemas resolvidos graças à MEMÓRIA IMPLACÁVEL do Dr. Paulo Vicentini.