ONDAS
Ana Terra
 
 

A memória pode ser contida? Acho que não. Mas as amarras partiram com o vento quando as soltei.Hoje elas são escravas dele.

A decisão derivou da consciência de que elas me manietavam. Por isto aceitei a carona do vento.

Mas, tentarei não me lembrar de ontem.

Hoje viajo em suas asas. Ele me comanda dando-me total liberdade. Danço com as arvores da mata embaladas pela brisa. Deixo sementes na terra adubada pelo orvalho.

O vento é voluntarioso. Voluptuoso. Acaricia meu corpo e brinca com a chama da fogueira, lançando estilhaços de brasa no ar que caem como cinzas no chão fazendo-nos ver e entender a intensidade e beleza que se foi.

As chamas lascivas devolvem a vida ao tronco morto e muda suas formas por alguns instantes. Refaz sua voz em forma de estalos e grita ao vento o seu sentir A ultima valsa antes de ser absorvido pela terra.

Terra que receberá as sementes trazidas pelo vento que as aninhará em seios mornos, numa atitude de amor. E tudo recomeça.

Temos a vida um eterno ir e vir. Como a trava e a liberdade, o sorriso e a lágrima, o dormir e o acordar, a inércia e o movimento, o gelo e a chama.

A memória oscila como ondas. Entre a agonia e a renovação lenta, quase insensível.

Mesmo com o movimento implacável da vida talvez nos tenha restado a escolha.