COM VISTA PRO MAR
Luís Valise
 
 

O Corsa 98 enfrentava com sofrimento as curvas em subida. Os faróis acesos mostravam o caminho estreito de terra batida, mata fechada dos dois lados. Súbito, os olhos iluminados de uma coruja fizeram Alice vacilar:

- Tibério, acho melhor a gente voltar...

- Agora? Pô, já estamos na metade... Mais um pouco a gente chega, você vai ver!

O motor batia pino, a embreagem patinava, e o Fábio Jr. no toca-fitas não melhorava nada.

- Então pára um pouco, que eu tô com medo.

- Medo? Medo de quê? Cê tá comigo, e eu me garanto!

- Você falou que o carro era novo...

- Era, não, é. Só que meu pai saiu com ele hoje. Peguei o carro do caseiro emprestado.

- Sei... Você também falou que a gente ia no seu apartamento na praia...

- Lá de cima a gente pode ver o mar. É muito mais romântico, cê vai ver.

- Sei lá, Tibério... Às vezes eu acho que você é mitômano...

- Mitô... Eu? Cê tá louca. Mitô o quê?

- Mi-tô-ma-no. Gente que diz que é mais do que é, entende?

- E por quê você acha isso?

- Ah!, sei lá, você diz que tem isso, tem aquilo, e eu nunca vejo nada...

- Cê vai ver, Alice, na hora certa cê vai ver.

Chegaram no topo do morro. A noite estava clara, ao longe via-se uma linha de luzes em curva, e de olhos fechados podia-se imaginar o barulho das ondas.

- Olha, Alice, eu não disse que dava pra ver o mar?

- Onde?

- Ali, não tá vendo as luzinhas? É Copacabana...

- É lá que fica teu apartamento?

- Não, o meu fica mais pra frente, em Ipanema...

- Jura?

- Juro. Vem cá, me dá um beijo...

O silêncio, o cheiro de mato, o amor em morse de vagalumes ao redor do carro, Alice não era de ferro, e foi beijando, e foi deixando, a fita do Fábio Jr. chegou ao fim, o que se ouvia agora era o barulho de beijos. E Alice:

- Nossa, Tibério, você não tem só mania de grandeza, não...

- Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!

Era, sim, mas Alice já não ligava pra isso.