SILENTE |
Beto
Muniz |
Era
um tempo de mesmice, de marasmo sentimental e eu precisava desesperadamente viver
uma grande paixão, daquelas que vem silenciosa e queda envolve, cega, machuca,
destrói. Porque paixão que se preze é furiosa, indecente
e burra... Diferente do amor, que afaga, cura, ilumina, constrói. Em comum
a paixão e o amor têm apenas o silêncio quando chega. E ela
veio, socrática - que só o amor é platônico. Par de olhos esverdeados e sorriso cortante que me paralisava nos breves momentos de oi, bom dia, bom trabalho. Política de boa vizinhança à beira da piscina é tortura. Seu corpo moreno eu admirava de longe. Calafrios ao vê-la espalhando protetor pelas coxas, subindo, por detrás, até parar nos limites do biquíni. Ela casada! - que paixão não respeita estado civil. Mãe! - que paixão também não respeita a mãe dos outros. Amiga da família - que paixão sequer conhecer os termos da lealdade. Fui me apaixonando, me deixando envolver, me agoniando com os protocolos impostos pelo bom convívio social - que a paixão cega, deixa burro, mas não corrompe o bom senso. Porém, bastava um aceno de longe, um oi na chegada, um tchau na saída para a minha paixão interpretar como sinais de que ela percebera o transbordo que me acometia e, silente, se permitia seduzir. Uma troca de olhares qualquer eu transformava em sinais, correspondências secretas, cumplicidade, adultério! - que paixão pede sexo, pede odores, calores, gemidos, gozo, pornografias. Enquanto o amor pede contato, toque, prazer e erotismo a paixão pede sacanagem. Mas eu nunca rompi a barreira da imaginação, apesar das rondas constantes, de agir feito predador, constantemente forjando encontros, coincidências. O bom senso, esse eu interior imune a qualquer desvario, jamais cedeu aos impulsos dela, a paixão, que a todo custo queria vergonhas expostas, sangue vertendo, mortes! - que toda grande paixão deseja terminar em morte. Eu que sou fraco diante de sangue, covarde frente a possibilidade de confronto, permaneci mudo, nutrindo especial predileção pela área da piscina, entornando cerveja no gargalo, em dúvidas se ela suspeitava que por detrás dos óculos escuros - com o rosto ligeiramente voltado para o lado oposto, meus olhos espreitavam cada gesto seu tomando sol, brincando na água com o filho ou beijando o marido. Paixão é ciúme. Ciúme doentio! Cada vez que ela permitia um gesto de carinho do marido eu ficava machucado, destruído... e vivo, esmagando o gargalo conta os lábios, sorvendo o líquido gelado e amargo até que o álcool entorpecesse a ira, proporcionasse a cura para a dor e fuga utópica rumo aos seus lábios, quentes, doces, esmagados nos meus - que toda e qualquer paixão é alimentada por quimeras. Foi assim que acabou o tempo de mesmice e começou o tempo da paixão, desesperada, socrática! Tempo das noites insones e manhãs repletas de garrafas vazias, lábios secos, silentes. |
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