TÃO BRASIL!
UMBERTO GONÇALVES
 
 

A moça com uma prancheta aproximou-se do homem na fila, na frente de um edifício em obra:

- Bom dia...
- Dia..
- Posso fazer umas perguntas?
- Apois não...
- Seu nome?
- Ontonho.
- De quê?
- Inhora?
- Antonio de quê?
- Ah, Ontonho de Zefa.
- De Zefa? É esse seu nome?
- É. Ontonho de Zefa. Tem gente qui chama Tonhím.
- Mostre sua identidade...
- Tá quí.
- Antonio Caetano da Silva...
- É esse meu nome completo.
- Nasceu em Monções.
- É nasci in Monções, mas moro aqui no Catolé.
- Mas é longe...
- Depende, né? Depende da donde tivé. Se tivé perto de lá, aqui qui é longe.
- Tá bom. Tem razão. Qual a sua especialidade?
- Cuma?
- Qual a sua profissão, o que sabe fazer...
- Qualqué coisa! Serviço geral, servente, vigia. Vigia num gosto muito, mas se num tivé jeito...
- Seu endereço...?
- Rua de Baixo, sem número.
- Rua de Baixo... Onde fica?
- Aqui mermo, no Catolé. Na Vila Presidente Lula.
- Fica longe?
- Dá uma légua e meia daqui.
- Tem carro?
- Carro???? Tá brincando?
- É que tem aqui no formulário. Casa própria?
- Moro de favô cum um primo... A gente fumo despejado.
- Tem família?
- Claro. Graças a Deus! Mulé e dois bacurinho. Uma minina e um minino. Ele é calminho, qui nem o pai. Mas ela é duma sabiduria qui só veno.
- Quanto ganha por mês?
- Acho que a sinhora devia perguntar o quanto não ganho por mês.
- Não entendi.
- Se tô nesta fila é porquê tô desempregado. A gente só ouve falá de projeto disso, projeto daquilo, salaro mínimo, escola, merenda, sesta básica, bolsa disso, bolsa daquilo, mas essas coisa nunca chega nas mão da gente.
- Mas, os seus filhos não estão estudando?
- Como é qui pode istudá, moça? Nóis mora longe, uma légua pra escola, lá num tem merenda e em casa num tem comida. Ainda tem qui ir à pé. Saco vazio num se põe de pé!
- O que faz aqui?
- Ôxe! Tô procurando trabaio. Pensei inté qui a sinhora fosse do negóço aí... Fazer ficha pro emprego.
- Não. É uma pesquisa pro governo.
- Pra quê?
- Pra saber... Conhecer a situação do povo...
- Ôxe, ôxe! Mas isso todo mundo sabe. No tempo de inleição os puliticos falam de tudo, sabem de tudo direitinho. Pra quê perguntar agora?
- É o governo que manda. Tem tv?
- A sinhora tá mangando deu! Tá achando qui nóis tem esse direito?
- Mas todo brasileiro tem direito a uma vida digna.
- Brasileiro qui a sinhora fala é nóis tamém?
- Todos nós.
- Bom. Adonde a sinhora vévi?
- Eu moro em Brasília.
- Ah! E a sinhora acha qui o brasileiro daqui é iguá aos di lá?
- ????
- Acha qui aqui é TÃO BRASIL qui nem lá? TÃO BRASIL qui nem Sun Palo, Rio, Frorianópis... Vixe! A sinhora vai aprendê muito!