VERDADES ABSOLUTAS - VERSÃO CPI
Doca Ramos Mello
 
 

Naqueles tempos, garantiram os homens apurar e punir a bandalheira e os bandalheiros. Então, a população se armou de esperanças, mas o povo não contava com a esperteza nacional para dar, ouvir e aceitar depoimentos tão convincentes...

 

COINCIDÊNCIA

_ Muito bem. Vejo aqui na listagem que o senhor fez retiradas de mais de R$ 400 milhões no Banco Ru...

_ Negativo. Quem sou eu? Olhe bem p’ra mim, tenho pinta de quem pode pôr a mão nessa grana toda? Sou apenas assessor informal do deputado e ex-ministro Zebedeu.

_ Como assim ‘informal’?

_ Quer dizer que não sou ‘informaldo’ de nada, quem dera ter a chance de botar a mão na bufunfa, nem vem...

_ Mas o seu nome está aqui na lista que veio do banco: Valnápio Eurípedes Aureliano das Mercês de Souza Alimberti Franco Netto.

_ É meu homônimo.

 

EX

_ A senhora é mulher do deputado Zebedeu...

_ Ex, excelência.

_ Ah, sim, ex.

_ Depois que a deixou ele se casou com outra...

_ Claro, excelência, fez ele muito bem. Zebedeu é um doce de pessoa, homem carinhoso, a bondade em pessoa, eu é que sou muito chata, um porre.

_ Então, um amigo de um amigo do Zebedeu, envolvido até o pescoço com essa bandalheira, lhe emprestou dinheiro, arrumou-lhe um emprego...

_ Pois é.

_ Sem a interferência de Zebedeu...

_ Ele não sabia de nada. Mas esses amigos fizeram isso por causa dele, claro, para livrá-lo da minha amolação, me tirar de cima dele, eu vivia enchendo o cara, coitadinho, ficava na cola, um inferno. Ele não reparava porque é um sujeito bom, calmo, um amor, mas desligadão.

_ Interessante a senhora, como ex-mulher, trocada por outra, defender assim o ex-marido...

_ Cada uma sabe de si. Eu fui bem casada e sou grata, o Zebedeu sempre foi humilde. E fiel...

_ E a senhora...?

_ Nem te conto...

 

NÚMEROS MINEIROS

_ Qual era o seu cargo na empresa do Marco Despautério?

_ Diretora financeira messssm....

_ A senhora lidava com o movimento financeiro da empresa, a grana.

_ Isso messsm...

_Quanto faturou a empresa em 2004?

_ E eu vou saber, uai?! Tenho dificuldades com números, não guardo, sô.

_ ...?!

_ Não dou conta, uai, vê se tem base uma coisa desss, que pergunta...

_ A senhora contava dinheiro em Brasília?

_ Não. Contava mala, envelope, sacola, carro-forte. Às vezes... hi, hi... cueca...


MALA

_ Esta mala...?

_ Pertences pessoais. Toda vez que venho a Brasília trago praticamente metade do meu banheiro, sou muito higiênico, e metade do meu armário, sou muito elegante, daí o peso.

_ Mas tem de trazer tudo isso aqui, ao Congresso?

_ Ouvi dizer que há ladrões demais na cidade, verdadeiras quadrilhas, não posso me descuidar do que é meu, não fiquei rico dando moleza p’ro azar. Sou publicitário.

_ Poderia abrir a mala?

_ Não. A chave fica com a secretária, ela está no hotel.

_ Alguém disse que ela fica cansada do entra-e-sai de homem no hotel e de contar dinheiro o dia todo...

_ No duro?! Coitada, não tem a menor pinta, sabia? Bom, mas cada um faz o que quer da vida fora do expediente, eu não me meto.