A
MORTE SALVANDO VIDAS
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Bia
Lelles
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Os enfermeiros passaram empurrando a maca com violência, pouco se importando com as pessoas que lotavam a sala da emergência. Elas, por sua vez, não se mostravam surpresas, apenas encolhiam-se preocupadas com suas próprias dores. O homem na maca sangrava incessantemente, o peito retalhado por balas de metralhadora. - Ele não vai resistir. Afirmou Dr. Rodrigo, residente há poucos meses naquele hospital. A gana por salvar vidas cegava-lhe perante a precariedade de equipamentos, medicamentos e má vontade de muitos funcionários. Os pacientes amontoavam-se em leitos improvisados e definhavam dia após dia sem o atendimento adequado. Mas ele mantinha-se firme no propósito de salvar vidas. - Preparem o paciente para a cirurgia orientou o doutor enquanto lavava suas mãos Corram, corram ou vamos perder mais um! Tentaram tudo, mas a intensa hemorragia causada pelos dezoito tiros não pode ser contida e o homem deixou esse mundo sem ao menos dar um suspiro. Rodrigo saiu desolado da sala, precisava de ar puro, do calor do sol aquecendo-lhe o corpo dormente depois do estresse de mais uma perda. Arrastou-se até fora da emergência ignorando os apelos dos pacientes moribundos espalhados pelos corredores. Alcançou à calçada, a luz do dia fez doer seus olhos cansados. Um bebedouro antigo circundava o muro do jardim abandonado do hospital, atrás dele uma gigantesca favela erguia-se imponente e assustadora. Lavou o rosto, as mãos e abaixou-se para beber água. Mal deu o primeiro gole e sentiu o cano gelado pressionado contra sua nuca. - Levanta e encosta na parede. Ergue as mãos e não faz nenhuma besteira, doutor. Não podia ver o homem que o ameaçava, mas rapidamente vislumbrou a silhueta de outros dois: altos, fortes, encapuzados e portando metralhadoras AR-15. - Tu que atendeu o baleado de agora pouco? perguntou um deles. Responde logo, doutor. To meio sem paciência hoje... - Sim, sim fui eu. - E como tá o cara? O que dizer?, pensou apavorado. Rodrigo tremia, não sabia como dizer que tinha perdido o paciente. Deus, vou morrer. - Não brinca com a gente, doutor. Como tá o camarada? - Olha tentou controlar a voz e parecer calmo Nós fizemos tudo o que podíamos, lutamos contra o tempo e uma hemorragia que não queria ceder... - Tu tá me enrolando, cara... Sentiu que a irritação do bandido aumentava a cada instante. - O paciente não resistiu. Soltou num suspiro trêmulo preparando-se para ser alvejado ali mesmo. - Tem certeza? Ou tu tá tirando uma com a gente? - Não, de jeito nenhum. Sinto muito, mas não tivemos como salvá-lo. Tentou mentalizar uma oração, só sentia o cano gelado contra seu pescoço. - Doutor, escuta bem. Se o camarada tiver vivo é tu que vai morrer no lugar dele. Tá entendido? Rodrigo não acreditava naquilo. - Agora se tu ta falando a verdade, vamo manda mais uns amigos pra tu cuida desse jeito... E do mesmo modo que surgiram voltaram para seu mundo obscuro deixando o som de uma gargalhada no ar. Rodrigo deixou-se cair escorado pelo muro, não sentia as pernas. Mas, enfim, uma vida havia sido salva naquele dia: a sua. |