VARRIÇÃO
Aline Carvalho
 
 

Já estamos novamente de vassoura na mão. Há restos de confete e serpentina nas ruas, nas casas, nas almas. Há restos mortais nas almas, nas casas, nas ruas.

Um povo de luto foi para a avenida. Excepcional criatividade e beleza, como uma mulher triste que passa batom nos lábios para esconder sua amargura.

Como um menininho com câncer que escreve um poema para a mãe, dor insuportável. Como corpos dilacerados em caixões brancos cobertos por flores.

Já estamos novamente de vassoura na mão. Há vestígios do que fomos pelas esquinas, prontos para serem recolhidos. Há vestígios do que poderíamos ser nos ralos, nos drenos, nos esgotos, junto com os destroços das fantasias que julgávamos possíveis.

Há montanhas de decepções, desavenças, desamores, desatinos, pelos cantos, sob os tapetes de hipocrisia e tentativas mal-sucedidas de obter alguma felicidade, senão no outro, pelo menos dentro de nós mesmos.

Já estamos novamente de vassoura na mão. Mas a tristeza infinita do meu coração é impossível de limpar.