DESVENTURAS CAPILARES
Doca Ramos Mello
 
 

Nunca fui aquele tipo de mulher que freqüenta salões de beleza com regularidade. Não que tenha alguma coisa contra, longe de mim, acho até legal, mas pessoalmente careço das atribuições necessárias para o estilo, não tenho paciência, detesto secadores, os papos que rolam no recinto não me encantam, enfim, não levo jeito para a coisa. Além disso, sempre acho que estou perdendo tempo ali, é um problema isso.

Na verdade, acredito que as pessoas já nasçam predestinadas: esta vai ao cabeleireiro, esta não, esta sim, esta não... Vim na turma negativa. Corto os cabelos porque crescem aviltantemente, mas nunca faço grandes cortes porque minha juba não aceita - tenho cabelos extremamente temperamentais... Só não abro mão de fazer, regularmente, as unhas, ainda assim com certo grau de dificuldade.

Na adolescência, lembro-me de minhas amigas, todas ardendo em febre debaixo de secadores saáricos - tentei a empreitada algumas vezes, mas nunca me senti confortável com aquilo tudo. Um baile de formatura, em especial, me vem à mente...

Minha amiga Marília suara horas a fio nas habilidosíssimas mãos de uma profissional nipônica, o 'must' daquele momento em nossa cidadezinha do interior, tendo ido ao baile em estado de glória, os cabelos magnificamente arranjados numa cascata e exalando laquê! Rolava a festa, quando começou a se queixar de uma dorzinha de cabeça. A dor foi crescendo, crescendo, até tirá-la, em pânico, do salão, direto para o pronto-socorro.

Lá, para dar mais facilidade ao exame, o médico pediu que a mãe da Marília lhe desfizesse as belas cascatas, o que passou a ser feito, grampo por grampo. Ao tocar num deles, o berro da minha amiga abalou os alicerces do hospital, e um grande jato de sangue se espalhou por tudo quanto foi canto! Resumo da ópera: a japonesa cabeleireira, na fúria satânica do tudo pelo penteado, havia cravado a parte inferior do grampo sob o couro cabeludo da pobrezinha da minha amiga - vai ver foi por isso que as cascatas se mantinham firmíssimas, não se deslocando nem debaixo de rocks e boleros.

Bom, mas como dizia eu, estava escrito que não era mesmo uma predestinada, pois apesar de só cuidar bem das unhas, adquiri uma micose de porte, que me obrigou a abandonar a manicure por um bom tempo. Quem já teve micose sabe que fungo é uma coisinha simples de se debelar, quaisquer quinze, vinte anos de tratamento e pronto, problema resolvido - é o avanço da medicina...

Voltei à manicure e, tempos depois, tornei a pegar micose! Julguei que, dessa vez, fosse morrer com ela, quem sabe não me restasse tempo hábil para o singelo tratamento, mas conheci uma farmacêutica maravilhosa e uns dez anos depois, ficou tudo bem. Confesso que me é custoso mesmo o trato das unhas porque fico ali parada e, como não tenho talento para isso, durmo na frente da moça, que luta para manter-me as mãos entre as dela. Além disso, desmunheco, endureço as pontas dos dedos, deixo a manicure muito estressada.

Quanto aos cabelos, os meus já foram bem melhores, mas eu tive a sorte de encontrar diversos cabeleireiros dispostos a destruí-los, o que realmente o conseguiram com louvor. Graças a eles, e ao meu descaso também, sou hoje a feliz proprietária de vasta cabeleira desordenada, indisciplinada, revoltada, que não aceita pente, escova, cortes ou regras. Entretanto, faço questão de dar o merecido destaque para a colaboração edificante que recebi por parte de um brilhante profissional da tesoura capilar, um nordestino que eu apelidei de "Átila" - depois dele.... Oh, Senhor!

Cheguei por acaso ao estabelecimento do cidadão, movida pelo tremendo calor que meus cabelos me faziam passar, calor assim tipo crise de menopausa, me entende? O homem foi logo me dando ordens, ditando leis, enquanto me repuxava a cabeça para todos os lados e vapt, vupt - julguei que estivesse objetivando me decapitar, mas não: era a 'técnica'! No ato, senti o bichinho do pressentimento me mandando sair dali correndo, mas eu tenho um problema sério quando alguém toma atitudes audaciosas comigo, me abestalho, me apalermo, de modo que fiquei lá, lerda, lesa, de boca aberta, fazendo o império romano sem reação, enquanto o cara me invadia com fúria a cabeça, e chuá, chuá, piquiti, pocotó, funque, funque, chuá, chuá, zum, zum, zum, e zapt, zapt, zapt! Lavou, cortou, secou e ainda me submeteu uma sádica sessão de "escova".

Cá entre nós... Eu acredito piamente que a escova seja originária da idade média, quando servia para punir pecadores e desobedientes em geral, principalmente contra as faltas cometidas por mulheres de conduta inapropriada para a época - arrááá, adúltera?! Escova nela! E como eu, definitivamente, não nasci para padecer as mesmas torturas que afligem Hebe Camargo, comecei a rezar, pedindo a Deus por uma boa hora - era o meu fim ali, nas mãos daquele bárbaro, com certeza!

Ai, ledo engano! Depois que Átila passou por minhas madeixas, amarguei uns bons quatro anos sem saber o que fazer com a juba. Graças a Deus, o moço voltou para o nordeste, onde soube que está destruindo os cabelos de todas as mulheres da caatinga. Entretanto, não acontecem reclamações porque as herdeiras de Maria Bonita já enfrentaram o cangaço, a seca, os usineiros, a fome, o Jader, o Sarney, ou seja, um huno, vândalo, ostrogodo, visigodo ou qualquer outro bárbaro a mais ou a menos não fazem a menor diferença para elas... Que até acham graça no rapaz. Átila se elegeu vereador e tem planos especiais para suas conterrâneas, como o Bolsa-Escova: a idéia é dar o mimo às mulheres, mensalmente, até que lhes caia de vez o cabelo.