TRAVESSIA
Valéria Nogueira Eik
 
 

Um último olhar foi lançado para a ilha.

Não acenou nem se despediu.

Estava indo embora porque não queria ficar.

Seus pés, enlameados de rancor e mágoa, pisaram em chão flutuante.

E seus olhos fixaram a terra que foi ficando distante, distante, até sumir dentro do mar.

Quando restou somente água, ondas e céu, sentiu o vazio de quem deixa as raízes, a dúvida sobre a antiga certeza e o medo de quem não avista o futuro.

Mas, era preciso seguir em frente e navegar.

Somente navegar.

O balanceio da embarcação castigava a sua realidade, e durante dias e dias a vida girou alucinada em torno da sua própria vida.

No porão amontoavam-se gentes, cheiros, lamentos e doenças.

No convés, sob as noites estreladas, uma pequena esperança surgia, algumas risadas pipocavam aqui e acolá, e a música dançava com o tempo, aliviando as dores do corpo e da alma.

Volta e meia ele imaginava a ilha e pensava em seus irmãos, até em seu pai.

Volta e meia ele imaginava o futuro.

E as ondas subiam e desciam, fortes e traiçoeiras, trazendo os ventos e as tempestades que açoitavam a embarcação.

Mas, a calmaria sempre retornava, exibindo o sol, mostrando um oceano fascinante e indicando uma rota tranqüila.

Terra à vista! Terra à vista!

Seus olhos fixaram as águas e o horizonte, e a terra foi ficando mais próxima, tão próxima, até engolir todo o mar.

Do alto da embarcação ele avistou o futuro.

E seus pés, acostumados ao rancor, à mágoa e ao gingado das ondas, pisaram em chão firme e consistente.

Não acenou nem se despediu.

Ele era apenas mais um estrangeiro carregando a solidão.

 
 

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