SOMENTE SÓ
Tiago Velasco
 
 
Nova York assusta. Durante o inverno, pelo menos por duas semanas. Depois, as pessoas vão se acostumando ao frio, à falta de cor, à calçada escorregadia pela fina camada de gelo acumulada, à quantidade enorme de pessoas que não fala a língua oficial, àquele lugar que parece ser a casa de todos, mas não é de ninguém.

Mesmo com dez milhões de pessoas em uma área relativamente pequena, a solidão é o único local onde a população nova-iorquina se encontra. Talvez nas boates, também. Mas as casas noturnas não são boas opções para se trocar uma idéia e aliviar o isolamento existencial.

Isso explica a excessiva carga de trabalho a que o povo de Manhattan e arredores se submete. Antes que os leitores ranzinzas reclamem, eu sei que não é por isso. Mas não resisti à tentação de romantizar o ganha-pão de milhões de latino-americanos, orientais, árabes e até norte-americanos dos Estados Unidos mesmo.

Depois dos primeiros 15 dias, o cheiro de bacon e ovos que embrulha o estômago logo de manhã passa despercebido; os loucos que gritam no canto do vagão do metrô que leva os imigrantes do East Side para o subúrbio do Queens legitimam a cidade que nunca dorme; e os ratos, do mesmo metrô, se transformam em bichinhos fofos, como as mulheres adoram dizer.

Não há coincidência alguma na citação dupla aos trens subterrâneos de Nova York. Apesar de ser uma cidade famosa pelos arranha-céus e, por isso, parafraseando Fernando Sabino, a melhor forma de conhecê-la seja de maca, a capital do mundo tem em seu subsolo um dos locais mais representativos. São naquelas imundas composições identificadas com todas as letras do alfabeto e nuances cromáticas que se pode vislumbrar grande parte da fauna e flora de Nova York.

É no transporte de massa que o observador minimamente atento percebe os idiomas da cidade, as cores e formas das pessoas, a unhas postiças estampadas, moda entre as meninas do subúrbio. Nas cadeiras duras, os passageiros atrasados para o trabalho comem sanduíches e bebem copos enormes de café ralo; meninos brincam com jogos eletrônicos e uma infinidade de jovens se desliga do mundo em fones brancos que amplificam os MP3s. É a solidão movida a iPod.

Ninguém se incomoda. Talvez alguns brasileiros estranhem a movimentação dentro dos vagões: quando algum assento sem ninguém por perto vaga, logo é ocupado. Em um primeiro momento, julgamos ser falta de educação. Onde já se viu pessoas saindo do lado das outras como se estas estivessem com algum tipo de doença contagiosa? Em Nova York, isso não é ser mal educado. É o jeito de ser de uma cidade que, embora pareça arredia, abarca em seu coração-de-mãe um sem-número de novos nova-iorquinos. Talvez seja apenas a procura pela solidão que paira sobre a cidade açoitada pelo frio.